Padre setecentista defendia amenizar o sofrimento de escravos no Brasil

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segunda-feira, 24 de abril de 2017

Em 1758, o português Manuel Ribeiro Rocha via a escravidão como um mal e, apesar de reconhecer a importância econômica dos cativos, propõe formas tornar seu tratamento ‘mais cristão’

“O castigo não se deve ministrar com cólera e furor, senão com brandura e caridade”, pontificou o padre português Manuel Ribeiro da Rocha no longínquo ano de 1758, quando o Brasil ainda adotava a mão de obra escrava de negros em larga escala. Hoje, claro, a frase seria absurda e repudiada. Entretanto, o texto do padre Ribeiro Rocha, Etíope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído elibertado, lançado pela Editora Unesp em uma versão preparada, introduzida e comentada por Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira, serve como janela para entender um período sombrio da história brasileira e mundial pelos olhos e mente de um contemporâneo.

O padre Manuel Ribeiro Rocha, nascido em Lisboa e radicado no Brasil, considerava o fim da escravidão como a única forma de se acabar com as crueldades da negociação e da manutenção de escravos. Porém, tinha ciência de que o modelo escravagista se afirmava como pilar da economia colonial. Para tal dilema – cristãos podem ser senhores de escravos? – Ribeiro teorizou uma forma de tornar a privação de liberdade e os trabalhos forçados mais palatáveis e, dessa forma, salvar as almas dos senhores de escravos. “Em suma, um tratamento aos cativos dentro dos preceitos da Igreja e que respondesse às questões de consciência de comerciantes e senhores de escravos”, escrevem os editores e comentadores da obra. 

Dividido em oito partes, o livro abarca a forma geral de tratar os cativos da compra à libertação:  desde a aplicação de castigos e correção e até instrução e educação para tarefas. O padre chega a propor um tempo máximo de 20 anos de serviços prestados ao fim dos quais o negro liberto deveria ser dispensado e receber alguma forma de compensação. Para costurar essa “via média” na questão escravista da Colônia, Manuel Ribeiro Rocha se apoiou nos escritos bíblicos, em teóricos da Igreja, como Agostinho e Tomás de Aquino, e em outros pensadores seculares. Sua erudição foi elogiada – e devidamente aprovada – pelos padres do Santo Ofício, a Inquisição, responsáveis por dar o parecer de liberação do texto para o prelo.

Nesta edição, baseada no original de 1758, atualizou-se a ortografia e foram feitas alterações na pontuação estabelecida pelo padre Ribeiro Rocha, de modo a facilitar a leitura e a compreensão da obra para o leitor contemporâneo. Além disso, também houve a tradução integral das passagens em latim – cerca de um terço do livro – e a identificação de todas as obras citadas pelo autor, convertendo as citações abreviadas utilizadas pelo autor, comuns no seu tempo, para os padrões atuais e indicando, sempre que possível, uma edição acessível dos livros mencionados. 

Sobre o autor – O padre Manuel Ribeiro Rocha, nascido em Lisboa, passou boa parte da vida no Brasil. Data de 1758 a publicação de seus três únicos livros conhecidos: Nova prática dos oratórios particulares, Etíope resgatado e Socorro dos fiéis. Faleceu na Bahia em 1779

Sobre os organizadores – Jean Marcel Carvalho França é mestre em Sociologia da Cultura e doutor em Estudos Literários pela UFMG e professor de História do Brasil Colonial na Unesp. É responsável por diversas publicações relacionadas à história da cultura e da literatura brasileiras dos períodos colonial e imperial, e à história da construção do Brasil na literatura de viagem produzida na Europa entre o século XVI e o início do século XIX. Desde 2009, desenvolve pesquisa sobre a construção do Brasil nos escritos em língua portuguesa redigidos e publicados entre os séculos XVI e XVIII. Andanças pelo Brasil colonial (2008) e A construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII (2012) foram lançados pela Editora Unesp. 

Ricardo Alexandre Ferreira é doutor em História pela Unesp. Desenvolve atividades de pesquisa relacionadas à escravidão africana e à construção do Estado Moderno nas porções lusas da Península Ibérica e da América entre os séculos XVII e XIX. Professor do Departamento de História da Unesp, no câmpus de Franca, publicou, no Brasil e no exterior, estudos a respeito da relação entre a escravidão, a liberdade e a justiça criminal no Brasil oitocentista. Do autor, a Editora Unesp publicou Senhores de poucos escravos – Cativeiro e criminalidade num ambiente rural (1830- 1888), em 2005, e Crimes em comum – Escravidão e liberdade sob a pena do Estado imperial brasileiro (1830-1888), em 2011.

Título: Etíope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado
Autor: Manuel Ribeiro da Rocha
Organização: Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira
Número de páginas: 223
Formato: 14 x 21 cm
Preço: R$ 39,00
ISBN: 978-85-393-0650-3

Assessoria de Imprensa da Fundação Editora da Unesp