O desamparo é uma experiência fundamental e estruturante da condição humana. Está ligado ao que Freud chamou de Urangst, ou angústia originária, isto é, origem de todas as angústias subsequentes. Após o nascimento, o desamparo decorre da situação de máxima dependência dos cuidados ambientais e está ligado à fragilidade do neonato, à sua mortalidade, a tudo que significa ameaça de perda, trauma ou ferimento da integridade narcísica. Ser inserido no mundo da linguagem com suas mensagens enigmáticas torna o desamparo ainda mais nítido: ele se mantém durante toda a vida e está associado ao que Freud chamou de rochedo da castração, ou seja, a tudo que é inelutável e irredutível na condição humana. Nunca seremos tudo que gostaríamos de ser. O encontro consigo e com o outro em sua alteridade vai sempre suscitar alguma forma de tradução, metabolização ou sublimação. A ilusão de completude narcísica vai sempre se chocar com a realidade da falta, com a realidade de ser lançado na experiência de ser, sem garantias e sem proteção; confrontado, desde o início e sem trégua ao luto originário, ao imperativo de renunciar às ambições de tudo possuir, tudo poder e tudo ser. Embora irredutível, através do amor fati, o desamparo pode se transformar em desafio: há nele, desde o princípio um apelo a dar e a encontrar sentidos e laços sociais. A experiência originária de desamparo é assim: nunca termina de ser feita, mas é justamente ao se rever que encontra seu verdadeiro sentido. ELISA MARIA DE ULHÔA CINTRA
Érico Bruno Viana Campos possui graduação (2002), mestrado (2004) e doutorado (2009) em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). É professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências (FC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Bauru, onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão. É líder do grupo de pesquisa do CNPq “Psicanálise: Clínica, Teoria e Cultura”, coordenador do Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisas em Psicanálise (Neeppsica) e docente no Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. É afiliado à Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (Abep) e membro dos grupos de trabalho “Psicanálise e Clínica Ampliada”, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (Anpepp), e “Filosofia e Psicanálise”, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof).
Josiane Cristina Bocchi possui graduação (1999) em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Ciências pela mesma instituição e doutorado (2010) em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na área de epistemologia da psicologia e da psicanálise, com estágio doutoral na Paris 7, pela École Doctorale Recherches en Psychopathologie et Psychanalyse (2008-2009). É professora na Faculdade de Ciências (FC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Bauru, e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual da Unesp, câmpus de Araraquara. É membro do grupo de trabalho de “Filosofia e Psicanálise”, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof).
Ana Maria Loffredo é membro filiada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), professora e diretora do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP).
É bem conhecida a afirmação de Dostoiévski sobre os poderes relativos da literatura e da psicologia. Para ele, um psicólogo jamais alcançaria a eficácia do escritor: é na literatura que encontramos um retrato acurado da mente. Mas mesmo para aqueles que reivindicam superioridade para um desses dois polos uma coisa é certa: psicologia e literatura partilham uma ampla fronteira e guardam inter-relações significativas. Essa convivência ao mesmo tempo conflituosa e complementar é estudada por Dante Moreira Leite em vários de seus ângulos. Neste conhecido e influente ensaio, ênfase particular é dada à questão da criatividade, à avaliação de vertentes psicologistas (junguiana, psicanalítica etc.) da análise literária e aos processos psicológicos associados à leitura e ao autor.
Dante Moreira Leite examina as raízes conceituais do caráter nacional, sua crítica e reformulação da segunda metade do século XIX até meados do século XX, quando da Segunda Guerra Mundial. Aborda em seguida as sucessivas teorias sobre o caráter nacional brasileiro recorrendo às imagens e às formulações construídas pela literatura, pela história e pela sociologia. Assim, partindo dos primeiros documentos sobre o país e do movimento nativista, segue examinando a construção da imagem do Brasil e dos brasileiros no Romantismo, no Realismo, na obra capital de Euclides da Cunha. Da apreciação das obras de Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e Arthur Ramos passa em revista a obra de Manuel Bonfim, que representa sua superação, sendo já um predecessor da sociologia contemporânea. E com as obras de Paulo Prado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda completa a apresentação do que denomina fase da ideologia do caráter nacional brasileiro, que só terminará por volta de 1950.
A proposta deste livro é produzir uma contra narrativa sobre as relações entre as pessoas, as drogas e as cidades na região latina, e assim ocupar o espaço de embate frente às “monoculturas” do saber e das escalas pautadas por um modelo eurocêntrico íntimo das violências praticadas e reproduzidas historicamente no continente. O texto é um testemunho construído por um compilado de situações que foram experenciadas, sentidas e percebidas pelo autor, e assim interpretadas e conectadas ao texto como análise de pesquisa – um registro científico bastante pessoal.
A ideia de contestação e rebeldia tem sido comumente associada à juventude como oposição às normas sociais estabelecidas. Neste livro, investiga-se o sentido da rebeldia face ao projeto educacional por meio de narrativas e enredos produzidos com base em relatos de adolescentes. A autora encontra a rebeldia como elemento essencial e fundamental à conduta obediente. Ao lado disso, desvela que os arranjos entre rebeldia e obediência, sempre singulares em cada pessoa, referem-se ao processo de construção da identidade ou da representação que o sujeito tem de si. A rebeldia é, portanto, elemento integrante da construção do que se pode chamar de obediência.
A primeira edição de Psicologia diferencial data de 1966. A presente reedição, cuidadosamente revista, incorpora dois conjuntos de textos: um de esparsos, dedicado aos problemas da educação; e, outro, na maioria de inéditos, a variados aspectos da abordagem do autor à Psicologia. Escritos entre 1953 e 1975, os textos sobre educação trazem desde avaliações sobre a situação do ensino no Brasil até variadas abordagens em artigos originalmente publicados nas revistas Pesquisa e Planejamento, Atualidades Pedagógicas e Ciência e Cultura. Os dois ensaios que se destacam no conjunto propõem a interface entre Educação e Psicologia: “Educação e relações interpessoais” e “A investigação psicológica em face da educação brasileira”. “Dois experimentos em Psicologia”, já publicados quando o autor era aluno de Fritz Heider, na Universidade do Kansas. Dois verbetes permitem registrar o Dicionário de psicologia que permaneceu em projeto, ao passo que a palestra “Código de ética do psicólogo” assinala sua integração nas atividades com vistas à regulamentação da profissão, e o artigo “Ensino de psicologia” registra sua experiência como professor da disciplina. Por fim, o volume reúne ainda os capítulos correspondentes a pouco menos da metade da primeira parte de sua inacabada História da psicologia contemporânea, intitulada Freud e as psicologias dinâmicas.