“Se a história é a história das condições do poder, então a história é a história dos usos e abusos da retórica que sustenta o poder. A luta política talvez seja exclusivamente retórica e com isso a força seria apenas um complemento posterior, pois toda demonstração de força valeria apenas por seu efeito retórico de aumento, manutenção ou perda de poder”. Ao formular nesses termos o problema da ordem (e da desordem) social, Ricardo Monteagudo nos faz entender que o tema da linguagem é, de fato, um lugar privilegiado para discutirmos a simbiose entre retórica e política na obra de J.-J. Rousseau. Tendo como pano de fundo um quadro histórico da retórica, dos autores da Antiguidade até Perelman e Todorov, a tese deste livro pode ser assim enunciada: no âmbito dos escritos políticos do filósofo genebrino, em particular no Discurso sobre a origem da desigualdade e no Contrato social, as condições de possibilidade das relações civis são estabelecidas, tanto para o bem quanto para o mal, pelo uso retórico da linguagem. Longe de se limitar a uma mera exegese acadêmica de textos datados, este trabalho se apresenta a nós, leitores do século XXI, como prova cabal de que certas investigações de Rousseau acerca do discurso político permanecem atualíssimas. Monteagudo se inscreve dessa maneira numa linhagem bibliográfica que, no Brasil, remonta às análises memoráveis de Bento Prado Jr. e Luiz Roberto Salinas Fortes sobre o assunto. THOMAZ KAWAUCHE
Ricardo Monteagudo bacharelou-se, licenciou-se, fez mestrado e doutorou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), com orientação de Maria das Graças de Souza. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade de Paris 1 – Sorbonne, laboratório “Normas, Sociedade, Filosofia”, com supervisão de Cathérine Larrère. Participou, animado por Bruno Bernardi, do Grupo de Pesquisa Rousseau da École Normale Supérieure, em Paris, coordenado por Pierre-François Moreau; e do grupo de filosofia da Fundação Gabriel Péri, coordenado por Yves Vargas. Publicou vários artigos em revistas especializadas e, em 2007, o livro Entre o direito e a história: a concepção do legislador em Rousseau, pela Editora Unesp.
“À utopia da gramática – quer dizer, a uma concepção da linguagem que ignora todo lugar, geográfico ou histórico, norte e sul, antiguidade e modernidade, em sua vontade de universalidade – a linguística de Rousseau opõe uma topologia que procura sobretudo as diferenças de lugar, no espaço e no tempo, mas também no interior de uma mesma sociedade [...]. À lógica que atravessa a linguagem em direção à universalidade do entendimento, Rousseau opõe uma espécie de estilística que enquadra a verdade da linguagem no sistema das diferenças locais e históricas, num pluralismo de linguagens qualitativamente diferentes.” Rousseau expressa seu pensamento de modos diversos, adequando o estilo a leitores específicos: vai das ciências à autobiografia, passando pela filosofia e pelo direito, com lugar ainda para o romance, o teatro e a música. Tal multiplicidade, alguns alegam, sinaliza incoerência. A unidade de sua obra é, nesse sentido, um problema de primeira importância para os comentadores sistemáticos. O exame da recepção dos escritos de Rousseau constitui o pano de fundo perante o qual Bento Prado Júnior apresenta sua tese sobre os auditórios: a unidade do pensamento – ou da teoria – infere-se da tipologia dos sujeitos discursivos, quer no interior da própria obra (seja esta coerente ou não), quer na trama entre o autor e seu público.
Affonso Romano de Sant'Anna recompõe neste livro seu percurso como ensaista, lançando um olhar atualizado sobre a produção crítica, literária e acadêmica do país. Revisita os caminhos que o levaram a incorporar a estilística, o estruturalismo, a teoria da carnavalização e a psicanálise em sua experiência universitária. Refere-se também a sua experiência em jornais, assinalando as vocação multidisciplinar e polêmica que o levaria ao reestudo tanto do Barroco quanto da Arte Contemporânea.
Para o filósofo Jean-Paul Sartre, a literatura redescobre a sua função na sociedade quando a sua percepção da realidade passa a ser constituída pela consciência da historicidade. Isso significa um mergulho brutal na atualidade de cada um. A prática literária é então entendida como uma "ação na história", ou seja, uma síntese entre o irredutível e o relativo; e entre "o absoluto moral e metafísico" e a contingência histórica. Neste livro, o filósofo Franklin Leopoldo e Silva mostra por que, para o pensador francês, a tarefa ética da literatura é construir a mediação necessária para que o homem tome consciência de sua alienação. Portanto, escrever é agir, pois significa comprometer-ser com uma ação social conreta e prática, não se limitando apenas a uma atitude de contemplação do mundo.
Filosofia e lingüística interagem ao longo deste livro. Inicialmente, são analisados Teeteto e Crátilo, diálogos de Platão. Em seguida, o estudo recai sobre o Curso de lingüística geral, de Ferdinand de Saussure. Ensaístas como Deleuze, Nietzsche, Hegel, Marx, Husserl e Merleau-Ponty também são ponto de referência para discutir qual é e como funciona a relação entre as palavras e as coisas. A obra ensina, acima de tudo, a duvidar de respostas fáceis e prontas, pois considera a filosofia a ciência da dúvida por excelência.
Com o título de "A doutrina aristotélica da ciência" este livro foi tese de doutoramento, defendida na Universidade de São Paulo em 1967, logo tornado um clássico entre os especialistas. Ao estudar os Segundos Analíticos, obra reconhecidamente difícil de Aristóteles, Oswaldo Porchat Pereira mostra inicialmente a coerência interna da teoria da ciência tal como exposta no Livro I daquele tratado contra aqueles que nela viam principalmente ambigüidades e hesitações. Demonstra, em seguida, como o Livro II é o complemento indispensável do primeiro, em vez de se contrapor a ele ou de corrigi-lo, como geralmente se pretendia. Por fim, acentua a complementaridade entre a teoria analítica da ciência e a dialética aristotélica, colocando-se, assim, na contracorrente dos estudiosos que insistem em postular oposições desnecessárias entre a teoria e a prática da ciência no filósofo grego.