Em mais um volume de suas reflexões sobre o universo artístico e a história da arte, Affonso Romano Sant’Anna reúne três ensaios que foram, originalmente, conferências pronunciadas em eventos no Brasil e no exterior. A questão fundamental que os perpassa é a que intitula este livro, a do centro e da periferia: de suas mudanças, inversões, transgressões e novas instituições no mundo contemporâneo. Para isso, mobiliza não só um extenso repertório de leituras de várias áreas do pensamento, como também sua experiência de vida, a experiência de alguém testemunhou as grandes transformações sociais, culturais e políticas dos anos 1960, as quais foram fundamentais para esse descentramento, com sua fragmentação, condensação e deslocamento dos significados, fundindo o alto e o baixo, o sacro e o profano, o grotesco e o sublime, reunindo centro e periferia. O olhar do autor não compactua com os consensos. Ao contrário, interroga e, assim, consegue formular novas visadas para a arte contemporânea – que é o cerne de sua mirada neste livro. Ele nos fazer ver, por exemplo, como o excentrismo acabou por se tornar um novo centro, a norma, o padrão. A partir daí, nos leva a pensar se poderia haver uma nova forma de enxergar o mundo e as artes que ultrapassasse as duas posições antípodas e, em última instância, tão similares, o centrismo e o descentrismo. E é por esses caminhos que indaga a autonomia do sujeito na arte, no cenário contemporâneo, e ainda atravessa a difícil e espinhosa questão da competitividade no meio artístico.
Affonso Romano de Sant'Anna, nascido em Belo Horizonte em 1937, esteve envolvido em todos os âmbitos da literatura brasileira desde os anos 1950. Autor premiado de prosa e poesia, participou dos movimentos de vanguarda poética na segunda metade do século XX. Autor de diversos livros – entre poesia, ensaio e crônica –, Affonso teve forte impacto no cenário da crítica literária nacional com sua inovadora obra analítica. Foi professor em diversas universidades brasileiras e estrangeiras. Dirigiu a Biblioteca Nacional entre 1990 e 1996.
Affonso Romano de Sant'Anna recompõe neste livro seu percurso como ensaista, lançando um olhar atualizado sobre a produção crítica, literária e acadêmica do país. Revisita os caminhos que o levaram a incorporar a estilística, o estruturalismo, a teoria da carnavalização e a psicanálise em sua experiência universitária. Refere-se também a sua experiência em jornais, assinalando as vocação multidisciplinar e polêmica que o levaria ao reestudo tanto do Barroco quanto da Arte Contemporânea.
Nos ensaios deste livro, Sant'Anna estuda o pedregoso caminho da obra de dois de nossos maiores poetas, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, partindo da questão da dificuldades da criação poética. A relação delicada e problemática entre os autores, no limiar entre a filiação a um determinado fazer literário e a elaboração de uma identidade própria, é o ponto de partida para o percurso empreendido.
Trazendo textos de crítica literária escritos para a revista Veja nos anos 1970, Experiência critica supera a mera compilação: organizado pelo próprio autor, o livro convida à reflexão sobre o papel da literatura na sociedade, mediado pela complexa relação entre universidade e imprensa. Não aceitando uma ensaística que subestime o público leitor, Affonso Romano de Sant'Anna buscou em seu trabalho crítico instigar o interesse pela produção literária nacional que então se fazia, estabelecendo uma ponte entre a reflexão acadêmica e o leitor diletante.
Affonso Romano de Sant’Anna toma o recente conceito de artificação – elaborado no início do século XXI pela socióloga francesa Roberta Shapiro – para repensar o lugar, o papel e a função da arte em nossa contemporaneidade. Na contramão da antiarte ou da não arte, com sua busca de criar objetos artísticos sem significação, a artificação procura entender como, quando e por que são criadas novas formas de expressão artística, levando-nos a rever o conceito de arte e ainda diversos problemas da modernidade e da pós-modernidade. A investigação da artificação envolve “historiar como se deu a inclusão dos excluídos” no campo das artes, ou seja, como um determinado fazer tornou-se artístico e em que circunstâncias, o que só pode ser problematizado com o aporte de diversas disciplinas, como a antropologia, a sociologia e a história. Neste livro, aliás, Affonso Romano insiste na necessidade de um caráter cada vez mais interdisciplinar para o estudo da arte, renovando alguns enfoques teóricos que, isolados, não conseguem mais dar conta do atual cenário artístico da pós-modernidade, marcado pela morte do autor e da arte e, ao mesmo tempo, pela proliferação de tantas atividades requisitando o estatuto artístico.
O grande público não se interessa pela arte contemporânea, mas será que a arte contemporânea se interessa pelo público? É a partir de questões como essa – estampada no Museu D’Orsay, em Paris, anos atrás – que o escritor e crítico Affonso Romano de Sant’Anna instaura uma reflexão original em torno do que chama de a insignificância nas artes plásticas contemporâneas, ou seja, o fato de que as obras privilegiam a construção da não significação, em completa oposição à tradição não apenas das artes plásticas, mas das artes de modo geral. Avançando em discussões travadas em livros anteriores como Desconstruir Duchamp e O enigma vazio, e apoiado em contribuições de disciplinas diversas, com destaque para a antropologia, a linguística e a semiologia, o autor, nos dois ensaios que compõem este livro, propõe modos de interferir na confecção da própria história da arte, pensando em novos métodos para essa história, e assim questionando, por exemplo, qual é o lugar da transgressão na arte. Affonso Romano de Sant’Anna procura traçar o que identifica como a base gramatical do discurso atual das artes plásticas, compreender sua estrutura interna, de forma a refletir sobre esse discurso e, indo além, pensar e problematizar os próprios enigmas de nosso tempo.