Diferentes olhares sobre nossa história permitem pensar o Brasil de maneira profunda

Artigo
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Uma das mais importantes historiadoras brasileiras do século XX, Emília Viotti da Costa, e o brasilianista norte-americano, Jeffrey Lessey, provocam o leitor ao investigar nosso passado sob diferentes perspectivas 

Por Katia Saisi

A Editora Unesp acaba de lançar dois títulos que mexem com nossa percepção sobre o Brasil. Ambos assinados por historiadores que são referências nacionais e internacionais quando o tema é nosso país. Em Brasil: história, textos e contextos, Emília Viotti da Costa investiga o passado para imaginar o futuro. Já o pesquisador americano Jeffrey Lesser propõe uma nova interpretação sobre o sentido de brasilidade, ao mostrar como imigração, etnicidade e identidade nacional estão interligadas a ponto de serem indissociáveis.

Brasil: história, textos e contextos

Capa Brasil: história, textos e contextosEmília Viotti da Costa, finalista do Prêmio Jabuti 2015 na categoria Ciências Sociais, conquistou um lugar de destaque na historiografia brasileira do século XX ao resgatar – em obras já clássicas como Da Senzala à Colônia e Da Monarquia à República, ambas publicadas pela Editora Unesp – vozes marginalizadas pelos registros oficiais.

Seus escritos, além de serem referência para estudiosos, descortinam novos olhares para questões nacionais perenes, como o autoritarismo e a fraqueza das instituições democráticas. Ou seja, trata-se de uma trajetória intelectual provocativa e atuante, delineada de maneira clara em Brasil: história, textos e contextos (352 páginas, R$ 58,00). 

São aqui recuperados textos sobre a história do Brasil escritos em vários momentos, desde seus primeiros passos em busca do passado até os mais recentes, que datam da última década. Mas todos carregados de uma dramática contemporaneidade, como a defesa que faz da universidade pública – tanto no discurso proferido quando da entrega do título de professor emérito na USP quanto em “Globalização e reforma universitária: a sobrevivência do MEC-Usaid” –, vinculando-a a um processo econômico, político e social mais amplo, numa abordagem vital para os atuais debates sobre autonomia e financiamento do setor. 

Dos dilemas do neoliberalismo aos sucessos e fracassos do mercado centro-americano, da reforma universitária às reflexões sobre a crise mundial da última década, Viotti concentra sua atenção em setores sociais ausentes nas grandes narrativas históricas. Com isso, desmitifica concepções simplificadoras da história brasileira, possibilitando um esclarecimento profundo da identidade nacional, que leva a questionamentos essenciais para a compreensão do presente, investigando hábitos gerados e consolidados desde a época colonial e permitindo vislumbrar diferentes formas de imaginar o futuro. 

Emília Viotti da Costa na Universidade de Yale

Emília Viotti da Costa no pátio interno da Sterlling Library, da Universidade de Yale (Foto: Cláudio Versiani)

Emília Viotti da Costa, nascida em São Paulo, é formada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e livre-docente pela mesma universidade. Aposentada em 1969 pelo AI-5, lecionou em várias universidades dos Estados Unidos, entre as quais a Unidade de Tulane e a Universidade de Illinois. Foi Full Professor na Universidade de Yale, onde lecionou por mais de duas décadas. É autora de clássicos como Da Monarquia à República; Da Senzala à Colônia; 1932: interpretações contraditórias; Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823; O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania; A abolição; e A dialética invertida e outros ensaios (finalista do Prêmio Jabuti 2015), entre vários artigos em revistas acadêmicas, além de dirigir a Coleção Revoluções do Século 20, também da Editora Unesp.

Obras de Emília Viotti da Costa

A aboliçãoA abolição
144 páginas | R$ 37

Por que o regime escravocrata foi repudiado no Brasil com tanta veemência em 1888, depois de ter sido aceito sem objeções durante séculos? Por que o projeto que decretou seu fim foi encaminhado com tanta urgência? Como explicar a aprovação da lei Áurea ao largo de debates mais acalorados por um parlamento em grande parte eleito por senhores de escravos? Por que estes não se armaram para tentar impedir o ataque à sua propriedade, garantida na Constituição? Que papel os negros e os escravos desempenharam no processo? Estas são algumas das questões que Emília Viotti da Costa pretende responder nesta obra, publicada originalmente em 1987, enfatizando que, embora tenha sido uma conquista, a libertação dos escravos foi apenas um primeiro passo em direção à emancipação dos negros no Brasil.

Da Monarquia À RepúblicaDa Monarquia à República
536 páginas | R$ 69

Emília Viotti da Costa analisa os diversos momentos que definiram a modalidade de instauração do Brasil republicano. Ao esclarecer as coordenadas dessa passagem, a autora desvela as causas da fraqueza das instituições democráticas e da ideologia liberal, numa tentativa de compreender as raízes do processo de marginalização de amplos setores da população brasileira.

Da Senzala à ColôniaDa Senzala à Colônia
560 páginas | R$ 69 

Neste livro fundamental, a autora demonstra que a abolição dos escravos no Brasil representou apenas uma etapa na liquidação da estrutura colonial, mas golpeou duramente a velha classe senhorial e coroou um processo de transformações que se estendeu por toda a primeira metade do século 19. Tal processo prenunciava a transição da sociedade senhorial para a empresarial, do trabalho escravo para o assalariado, da monarquia para a República.

A dialética invertida e outros ensaiosA dialética invertida e outros ensaios
240 páginas | R$ 42

Reunidos em livro pela primeira vez, estes ensaios expressam o leque temático sobre o qual Emília Viotti da Costa vem se debruçando nas últimas décadas. Em “A dialética invertida: 1960-1990”, ensaio dos mais influentes, de caráter metodológico/ideológico, ela trata da metodologia historiográfica, mesmo assunto de “O historiador e a sociedade”. Os outros sete textos que se intercalam no livro abordam o tráfico de escravos e o flagelo da escravidão, falam das penas de degredo para a colônia, das classes trabalhadoras latino-americanas e da influência francesa na São Paulo do século 19.

O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadaniaO Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania
192 páginas | R$ 55 

O sistema político adotado pela Constituição brasileira assenta-se em três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Em termos ideais, a autonomia e o equilíbrio dos três poderes é o requisito essencial para a construção de uma sociedade democrática. A autora reavalia o papel histórico que desempenhou o Supremo Tribunal Federal, refletindo sobre o seu funcionamento e seus limites, desde o momento em que foi criado até a edição de nossa última Carta Constitucional, em 1988.

A invenção da brasilidade

No momento em que se faz necessário atualizar os conhecimentos sobre a formação da identidade nacional e a questão étnica no Brasil, chega às livrarias um trabalho de fôlego que examina o assunto desde uma perspectiva holística inovadora. 

A invenção da brasilidadeEm A invenção da brasilidade, (292 páginas, R$ 58,00), o brasilianista Jeffrey Lesser trata a imigração como uma narrativa única desde o período colonial e não como uma sucessão de capítulos separados em que cada grupo apresentaria uma história própria e específica.

Lesser igualmente escapa de uma visão regionalista da história e demonstra como a identidade nacional é dinamicamente construída, sem nunca se fixar em uma imagem única ou estática. Com isso, e utilizando as ferramentas tanto da pesquisa histórica quanto da etnografia antropológica, acaba ampliando as possibilidades de compreensão das concepções mais comuns sobre o nosso passado e provoca indagações sobre a forma com que a “brasilidade” é construída.

Publicado originalmente nos Estados Unidos e resultado de uma rígida pesquisa acadêmica, “A invenção da brasilidade” foi adaptado para atingir um público mais amplo com interesses nos grandes temas da América Latina. Lesser mergulha na complexidade da realidade brasileira, buscando mais as semelhanças do que as diferenças entre os grupos sociais. 

Como o próprio autor ressalta, investiga-se como o Brasil condiciona as identidades oriundas de lugares distintos, como “imigrantes de lugares tão diferentes quanto Japão, Império Otomano e Europa Central se relacionam com o Brasil de maneiras semelhantes, a despeito de suas diferentes origens”. 

Dessa maneira, fornece informações, interpretações e abordagens que propiciam um entendimento mais abrangente sobre o significado de nossa mestiçagem, buscando nas relações das múltiplas identidades brasileiras as tensões que muitas vezes se manifestam na forma de preconceito ou racismo. Salientando que nenhum dos grupos sai ileso destas trocas culturais, econômicas e políticas, este estrangeiro do norte nos mostra que, afinal, “o Brasil não se tornou nacional ou culturalmente homogêneo, mas ser brasileiro se tornou algo distinto”.

Jeffrey Lesser

Jeffrey Lesser ocupa a Cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade Emory, em Atlanta, Estados Unidos, e é professor convidado do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. É autor de muitos livros publicados no Brasil, incluindo três premiados internacionalmente: Uma diáspora descontente: os nipo-brasileiros e os significados da militância étnica, 1960-1980 (Paz e Terra, 2008), A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil (Editora Unesp, 2001) e O Brasil e a questão judaica: imigração, diplomacia e preconceito (Imago Editora, 1995).

Katia Saisi, colaboradora do O Dia de Marília, é jornalista, mestre em Comunicação e doutora em Ciências Sociais.

Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Dia, de Marília, em 16/02,2016, páginas 8 e 9. Confira a seguir.

O Dia Marília 16/02/2016

Assessoria de imprensa da Fundação Editora da Unesp