A pandemia de Covid-19 tem chegado a uma encruzilhada: se por um lado várias vacinas despontam no horizonte próximo como caminho para amainar a doença, muitas pessoas já dizem que não vão tomá-la, por razões ideológicas, medo ou ignorância. Por isso, empreender viagem até 1904 na companhia do historiador Nicolau Sevcenko e sua prosa inebriante em A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes é mais do que oportuno. O livro, lançado em 2018, escancara as raízes profundas de problemas atuais e acaba de ganhar nova tiragem.
“A Revolta da Vacina, ocorrida num momento decisivo de transformação da sociedade brasileira, nos fornece uma visão particularmente esclarecedora de alguns elementos estruturais que preponderaram em nosso passado recente – repercutindo até mesmo nos dias atuais”, escreve. “A constituição de uma sociedade predominantemente urbanizada e de forte teor burguês no início da fase republicana, resultado do enquadramento do Brasil nos termos da nova ordem econômica mundial, foi acompanhada de (...) um sacrifício cruciante dos grupos populares.”
Ao longo dos quatro capítulos do livro, o leitor é levado a entender essa passagem da história brasileira, em que o discurso oficial convergia para a saúde pública, mas o que se tramava nas entrelinhas era a ditadura urbanística do então prefeito Pereira Passos e da ditadura sanitária de Osvaldo Cruz, ambos empurrando os pobres para as franjas da cidade, fenômeno de alto custo social e humano. “Optei por iniciar esta reflexão diretamente com uma descrição pormenorizada do cotidiano da revolta, a agitação dos participantes e o fragor dos confrontos entre as partes envolvidas” para “expor em seguida as causas mais profundas da insurreição e o seu significado particular no contexto de mudanças que envolviam e metamorfoseavam a sociedade brasileira”. E, por último, “apreciar no episódio dramático dessa revolta algumas características fundamentais da estrutura social da Primeira República (1889-1930)”.
“Espero que não se estranhe o tom emotivo que eventualmente reponta em alguns momentos deste trabalho: ele é autêntico e intencional”, adverte o autor. “Nem eu saberia tratar de outro modo a dor de seres humanos palpitantes, cheios de vida, angústias e esperanças.”
Este volume conta com posfácio do autor à edição de 2010 e fotos do alagoano Augusto Malta – fotógrafo oficial responsável por registrar a evolução da gigantesca reforma urbana do Rio de Janeiro proposta pelo prefeito Pereira Passos –, de Marc Ferrez e de periódicos.