Anatole France desbrava novos vieses sobre a Revolução Francesa

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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Gamelin, pintor pouco virtuoso, mas idealista, é recrutado como jurado do Tribunal Revolucionário que tem poder de enviar qualquer um à guilhotina. Nesse papel, seus valores éticos e morais são postos à prova 

Leitor compulsivo desde muito novo, Anatole France sempre respirou ares literários. Filho de um livreiro parisiense, não por acaso adotou este pseudônimo – seu nome de batismo era François-Anatole Thibault – em função do nome da bem reputada livraria do pai, Librairie de France, e se destacou no cenário da intelectualidade, sobretudo a partir dos anos 1880. Mas foi especialmente a partir dos romances que o autor obteve notoriedade, acabando por ser eleito para a Academia Francesa em 1896. Prova deste talento inconteste é o título Os deuses têm sede, publicado pela primeira vez em 1912 e que traz em vivas cores os dias mais sangrentos da Revolução Francesa, conhecidos como Terror.

Lançando novas luzes sobre noções da Revolução Francesa já consolidadas no imaginário popular, sobretudo quanto a simplificações maniqueístas comumente feitas pelos livros didáticos, Os deuses têm sede desbrava novos vieses, contextualizando de forma complexa tendências, encruzilhadas e paradoxos políticos que atravessavam o mainstream francês. A trama, respaldada por consistente documentação histórica, se desenrola na capital francesa, pouco tempo depois dos explosivos acontecimentos da tomada da Bastilha, evento tido como o marco desencadeador da Revolução Francesa.

Em meio à profunda opressão instaurada pelo governo revolucionário dos jacobinos, cujo Comitê de Salvação Pública – sob a liderança de Robespierre – instaura o terror, os leitores acompanham a história do anti-herói Évariste Gamelin. Este pintor pouco virtuoso, representante típico da plebe, parece ser um idealista: gosta de demonstrar sua completa ojeriza pela nobreza e pela aristocracia, o que ele supõe ser sua manifestação pessoal mais desabrida de ufanismo. Desta forma, ele é visto como o perfil ideal para executar uma missão-chave dentro do terrorismo de Estado proposto pela nova era: o de jurado do Tribunal Revolucionário. Se, a princípio, esses opositores se limitavam aos girondinos – a alta burguesia –, logo passaram a incluir qualquer potencial ameaça, em julgamento que normalmente respeitava critérios subjetivos. Na prática, Gamelin recebe carta branca para mandar à guilhotina quem lhe der na veneta. Conforme Gamelin se familiariza nesse papel de operador da máquina totalitária, seus valores morais, éticos, humanos, enfim, vão sendo postos à prova. "Quando a nação se encontra sob o canhão dos inimigos e sob a adaga dos traidores, a indulgência é parricídio’, discursa ele. Como diria Maquiavel, "dê poder a um homem e verás quem ele é".

Ceticismo, ironia e desencanto para com a sociedade moderna: eis as marcas mais invariavelmente associadas a esse autor. Importante lembrar que o estilo ferino não se desenvolveu alheio ao cimento frio das sarjetas da vida real: na Guerra Franco-Prussiana, Anatole France chegou a servir como guarda nacional em Paris, ainda que sua atuação na defesa da pátria tenha tido duração efêmera – acabou declarado impróprio para o serviço por sua compleição. Ainda assim, o que vivenciou no conflito ele certamente pôde absorver e aproveitar na forma de matéria literária que daria vida, cor e emoção aos seus enredos, como no presente livro.

Sobre a coleção – Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Confira aqui as obras já publicadas.

Título: Os deuses têm sede
Autor: Anatole France
Tradução e notas: Jorge Coli
Número de páginas: 244 
Formato: 13,5 x 20 cm
Preço: R$ 54
ISBN: 978-65-5711-098-0

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