Historiador recorre a um amplo universo de referências, da filosofia a textos bíblicos, do darwinismo à bioética, para examinar conceitos como livre-arbítrio, pretensão de independência e autossuperação
Desde que se tornou capaz de refletir, o homem não cessou de se interrogar: por que há o mal? Segundo o pensamento judaico-cristão, a raiz está no pecado original, cometido por Adão e Eva, ao comerem o fruto da Árvore do Conhecimento no Éden, única restrição feita pelo Deus “infinitamente bom” a suas criaturas, que não demoraram a desobedecê-lo. A partir desta concepção, o historiador Georges Minois investiga As origens do mal: uma história do pecado original, grande obra da Editora Unesp que acaba de ser reimpressa.
Construída com cuidado e erudição, esta obra é instrutiva e instigante, feita para pessoas curiosas, crentes ou não, sobretudo numa época em que a distinção entre o bem e o mal — e sobretudo sua origem — se articula com dificuldade.
“Como pode esse deus infinitamente bom e infinitamente poderoso assistir à vitória cotidiana do mal no mundo? Essa questão foi um verdadeiro quebra-cabeça para os teólogos. Durante os primeiros séculos da era cristã, eles elaboraram engenhosas construções para responder a isso; em seguida, após inúmeras hesitações, foram buscar a explicação no velho mito bíblico de Adão e Eva, culpados por terem mordido a maçã da árvore do conhecimento do bem e do mal”, anota Minois. “Tornado um dogma a partir de um decreto do Concílio de Trento, desde então, o pecado original foi apresentado como uma nódoa indelével, transmitida de geração a geração, que faz do homem um ser inclinado para o mal, portador de uma natureza corrompida ou ferida.”
Ao longo de nove capítulos, o historiador, recorrendo a um amplo universo de referências, da filosofia a textos bíblicos, do darwinismo à bioética, analisa as marcas do pecado original sobre a moral cristã e a forma como, mesmo nos dias de hoje, em meio a todo o desenvolvimento científico já alcançado, esse tema continua a suscitar debate. Livre-arbítrio, pretensão de independência e autossuperação: embora talvez não seja evidente a princípio, não são tão distantes os motivos que justificariam o cometimento do pecado original das ambições dos homens da ciência.
“Adão e Eva, assim como a maçã, há muito foram adotados pelo mundo secularizado, com finalidades contraditórias: Adão fez o papel de porta-voz revolucionário nos movimentos milenaristas, enquanto na política o pecado original foi um argumento eficaz para os contrarrevolucionários e os pensadores tradicionalistas como Joseph de Maistre”, escreve Minois. “De Kant a Sartre, os grandes filósofos adaptaram o mito da queda e da corrupção da espécie. Atualmente, os debates sobre a bioética, que gravitam em torno da natureza humana, voltam a lhe dar atualidade, no momento em que se considera o aparecimento de um novo Adão, que seria uma versão geneticamente modificada do primeiro: um homem revisto, corrigido e aprimorado por ele mesmo, curado das feridas infligidas pelo pecado original.”
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