Com segunda edição lançada em 2011 e já esgotada, Ciência em ação ganha nova tiragem. No livro, o antropólogo e filósofo francês Bruno Latour proporciona uma audaciosa análise da ciência, demonstrando o quanto o contexto social e o conteúdo técnico são essenciais para o próprio entendimento da atividade científica.
“Ciência” é uma palavra em alta nas sociedades ocidentais (ou então em todo o mundo “globalizado”). Uma lavagem de tapete, um corte de cabelo, um mapa astral ganham outro estatuto quando se afirma que são “científicos”. Dessa forma, determinar o modo como a ciência é produzida, transmitida e exportada é tarefa essencial para a compreensão da sociedade contemporânea.
Das diferentes formas de se aproximar da ciência, a mais tradicional é o estudo da estrutura do suposto “método científico”. Os resultados, tanto no domínio da filosofia como no da história ou da sociologia da ciência, parecem pouco convincentes. A ciência, central para o progresso, evolui, mas fica difícil atribuir regras que todos os participantes do “jogo científico”, tácita ou explicitamente, concordam em seguir.
Nos anos 1970, pesquisadores fizeram uma nova tática: estudar a atividade dos cientistas do mesmo modo que antropólogos estudam comunidades isoladas e distantes. Latour é um dos pioneiros nessa vertente – por sua clareza, acessibilidade e escolha de bons problemas para estudo –, ultrapassando o círculo restrito e a especialistas e alcançando reconhecimento mais amplo. Atualmente, é um autor do qual se pode discordar, com cujos escritos se pode polemizar, mas é impossível não ter posição a seu respeito. E isso já é o suficiente para atestar sua relevância.
A ideia de antropologia da ciência parece, de saída, um tanto imprópria. Faz-se antropologia de comunidades ditas primitivas ou simples, ou de subgrupos ditos mais ou menos homogêneos e simples dentro de uma sociedade complexa. Mas, e fazer antropologia da comunidade científica, do grupo por definição (não importa aqui se isso é verdade ou não) mais evoluído, racional e complexo do planeta? Os resultados com que Latour emergiu desses estudos antropológicos têm pouco a ver com a imagem que a própria comunidade científica possui de si e divulga externamente.
Estudando os “nativos” (Latour foi antropólogo residente em um laboratório de bioquímica, na Califórnia, nos anos 1970), o autor mostra que a essência da atividade científica é criar enunciados e subtrair-lhes modalidades (a partir do enunciado “X acha que a substância Y é responsável pelo efeito cuja medida é Z”, criar o enunciado “Y causa Z”) e transladar interesses; isto é, a comunidade acadêmica deve sempre aumentar as alianças entre seus membros e entre estes, seus equipamentos e o “mundo objetivo”; para isso, é preciso que se transformem no processo. Seu livro Vida de laboratório examina tais translações, mas é em Ciência em ação que as pesquisas antropológicas ganham dimensão de teoria geral sobre o funcionamento da ciência moderna.
Se os estudos nessa vertente antropológica – e a ambiciosa teoria daí derivada – terão resultados mais convincentes no que diz respeito ao estranho sucesso humano em compreender o mundo, ainda é cedo para saber. Mas é evidente, desde já, que o enfoque é original e ajuda a esclarecer o trânsito conturbado das vias que ligam ciência e sociedade.