Este livro reúne quatro breves ensaios cuja pertinência extrapola os contextos em que foram escritos
A seção Clássicos do Catálogo desta semana destaca o livro Democracia e segredo, de Norberto Bobbio. A obra discute uma questão contemporânea: os riscos que as práticas ocultas por parte de governos e instituições estatais representam para o regime democrático. O pensador italiano avalia esse poder invisível em diferentes textos, tendo como cenário os acontecimentos políticos italianos à época em que vivia: o escândalo P2 (que revelou cerca de dois mil nomes, muitos deles personalidades políticas e de outros poderes, que conspiravam para desestabilizar a ordem constitucional) no início dos anos 1980; as chacinas mafiosas no final da mesma década que se seguiram ao processo de Palermo; e o caso Gladio, nome em código usado pela CIA para as operações paramilitares anticomunistas na Europa.
Para o autor, esses exemplos mostram o quanto o poder é opaco. “E a opacidade do poder é a negação da democracia”. Uma reflexão que ganha corpo hoje em em dia, principalmente em relação aos novos poderes de vigilância e controle, como os revelados por Edward Snowden, pelo WikiLeaks.
O segredo foi por séculos um elemento considerado fundamental para a arte de governar. Com o advento da democracia moderna, esta passa a ser idealmente caracterizada como o governo cujos atos se desenrolam publicamente, sob o controle da opinião pública. Mas, paralelamente a esse poder visível, defende Norberto Bobbio, há um outro, invisível, que assume várias formas: aquela que se volta contra o Estado (como as organizações criminosas); a que se organiza para extrair benefícios ilícitos do Estado (como as formadas para a corrupção); e aquela que se constitui como instituição do próprio Estado (os serviços secretos).
Pois se o poder invisível é “uma ameaça intolerável que deve ser combatida com todos os meios”, Bobbio também adverte que “quando a caça às bruxas faz sua aparição em uma sociedade democrática, a liberdade fica em perigo e a democracia corre o risco de se converter em seu oposto”. Dessa forma, a questão mais irremediável entre as promessas não cumpridas da democracia é precisamente a da transparência do poder. Afinal o “poder oculto”, aninhado no fundo falso do estado democrático, pode, pouco a pouco, “contaminar e condicionar em medida crescente as instituições legítimas”.