Confira o conceito de "conflito", de acordo com Giddens e Sutton

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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Cena da batalha entre aqueus e troianos, em taça para vinho (Museu do Louvre)

Cena da batalha entre aqueus e troianos, em taça para vinho, cerca de 1250 a.C. (Museu do Louvre)

CONFLITO

Definição prática

Luta entre grupos sociais pela supremacia, envolvendo tensões, discórdia e choque de interesses.

Origens do conceito

O conflito é tão antigo quanto a sociedade humana e, embora hoje nós o consideremos como algo inaceitável e que deva ser evitado, em termos históricos mais abrangentes, conflitos e conquistas influenciaram o universo humano e resultaram na expansão da humanidade pelo globo. A expansão colonial ocidental se baseou na exploração declarada de populações-alvo e recursos naturais, porém, ao criar novas relações de conflito por uma área geográfica mais extensa, o colonialismo também incentivou a maior interconectividade global. Para Georg Simmel, conflito é uma forma de associação humana em que as pessoas são colocadas em contato entre si e por meio da qual se pode alcançar a união. Esse é um importante ponto de partida porque nos ajuda a evitar a ideia de que o conflito é o término das relações e interações. O argumento de Simmel é de que o conflito obriga as partes a reconhecerem umas às outras ainda que a relação seja antagonista.

Os estudos sociológicos sobre conflito são, em geral, considerados como formadores de uma “tradição do conflito”, embora aparentemente haja pouca base teórica em comum além de um foco geral nos choques de interesses entre grandes grupos sociais. A maioria dos estudos adotou a abordagem do conflito marxista ou weberiana, e a grande maioria analisa os conflitos internos da sociedade, como os centralizados em grandes desigualdades, entre elas, classe social, gênero e etnia. As sociologias do conflito se popularizaram na década de 1960, em parte como uma reação ao paradigma funcionalista estrutural dominante e, em parte, em resposta ao aumento na quantidade de conflitos dentro de e entre sociedades na época. O funcionalismo parecia ser mais indicado para explicar o consenso e a conformidade do que o conflito, e muitos sociólogos se distanciaram de Parsons e Durkheim e recorreram a Marx e Weber em busca de inspiração. Hoje, as teorias do conflito estão bem estabelecidas e a Sociologia está mais bem equipada para compreender e explicar fenômenos como guerra, terrorismo e movimentos sociais.

Significado e interpretação

Conflito é um termo bastante genérico que pode significar tanto as contendas entre dois indivíduos, como uma guerra internacional entre diversos países, e engloba tudo que houver entre esses dois extremos. Na prática, a Sociologia se concentrou nos conflitos sociais estrutura dos incorporados na sociedade em vez de, digamos, nas guerras entre Estados-nação, que foram relativamente negligenciadas até pouco tempo atrás. A cobiça por poder e riqueza, as desigualdades sociais e as tentativas de obter status levaram à formação de grupos sociais distintos com interesses e identidades em comum que buscam esses interesses contra outros. Portanto, para a teoria do conflito, o potencial para rivalidades é uma constante.

A perspectiva do conflito é uma das principais tradições de pesquisa na Sociologia, incluindo diversas abordagens teóricas. Marxismo, feminismo,diversas perspectivas weberianas e muitas outras – todas essas vertentes empregam alguma versão da teoria do conflito. As teorias do conflito investigam a importância dessas estruturas sociais na sociedade,as quais produzem tensões e rivalidades crônicas que eventualmente eclodem em violência. Algumas teorias, como o marxismo, posicionamos conflitos de classe estruturados no centro da sociedade como a dinâmica que impulsiona a mudança social. Vale lembrar o argumento de Simmel aqui, a saber, que ainda que as classes sociais estejam em conflito, também estão imersas em relações de dependência mútua. No capitalismo, os trabalhadores dependem dos capitalistas que lhes oferecerem empregos e a renda necessária para sua sobrevivência. Já os capitalistas precisam dos trabalhadores para poderem fornecer os produtos e serviços que lhes rendem lucros.

Que fique bem claro que nem todas as teorias do conflito são marxistas. Diversos estudos sobre conflito foram mais influenciados pelas ideias de Max Weber, para quem havia conflitos muito mais amplos no horizonte, motivados por outros elementos além de classe. Os conflitos podem se basear em diferenças políticas, competição por status,divergências de gênero ou ódio étnico, todos podendo ser relativamente desconexos ou independentes de classe. O poder patriarcal atua pela vantagem dos homens e desvantagem das mulheres seja qual for sua posição na estrutura de classe, ainda que a posição de classe de fato possa exacerbar os inúmeros problemas enfrentados pelas mulheres da classe trabalhadora. Na mesma linha, os episódios de violência genocida por parte dos hutus contra os tutsis em Ruanda (1994), pelas forças armadas sérvias contra os bósnios em Srebrenica (1995), bem como o assassinato em massa cometido pelo Estado nazista alemão contra populações judaicas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), são considerados, sobretudo, como acontecimentos que surgiram de rivalidades étnicas tradicionais e ódio racista, e não conflito de classe. Claro que a ideia aqui não é sugerir que classe não seja importante, mas apenas que a verdadeira importância de classe, gênero, “raça”, etnia, entre outros, só pode ser avaliada em pesquisas realizadas no mundo real.

*Excerto do termo Conflito, presente no livro Conceitos essenciais da Sociologia, de Anthony Giddens e Philip W. Sutton. O verbete também contempla outros tópicos, como aspectos controversos, relevância contínua e referências e leituras complementares. Os termos grifados em negrito são conceitos abordados na obra.