A partir do exame de documentos eclesiásticos, discursos literários e genealogias, estudo elucida a gênese desse contrato tão longevo e permite, também, que se entrevejam as estruturas sociais que o ensejaram
O casamento é, sem dúvida, uma instituição de enorme relevo na sociedade Ocidental. Afinal, sua concepção e seu regramento são responsáveis não apenas por definir como os esposos devem se relacionar entre si, mas também como se estabelecem as alianças entre diferentes famílias e como estas se portarão na guerra e na paz. Da mesma forma, é também pelo casamento que se mantém o patrimônio na mesma linhagem ao longo do tempo, bem como se garante determinado status. Ou seja, examinar essa instituição é fundamental para compreender uma miríade de aspectos sociais e culturais de determinado período histórico. E é isso que faz Georges Duby em O cavaleiro, a mulher e o padre, lançamento da Editora Unesp.
Ao longo da obra, o historiador francês articula em sua análise documentos que vão de registros paroquiais a obras literárias, passando por tratados, crônicas e genealogias familiares. A partir desta investigação, este fascinante livro, já tornado um clássico da Escola dos Annales, expõe com maestria como a instituição do casamento, que rege as uniões de indivíduos e famílias, teve de lidar com questões como o incesto, a poligamia, o concubinato, os direitos das mulheres e dos herdeiros – aqueles “de fato” ou bastardos.
De um contrato profano estabelecido entre famílias nobres para que seus herdeiros se mantivessem no poder, até a instauração de um ritual litúrgico que autoriza a relação carnal – principalmente como e com quem ela pode se dar – na sociedade cortesã europeia, a noção de casamento que vai se estruturando entre os séculos X e XIII entrevê, como nos revela Duby, uma disputa de poder entre a nobreza e o clero. Logo no início, ele anota, por exemplo, a querela estabelecida entre a Igreja e o soberano francês Felipe I. “[Os monges] revelam que Filipe I não foi castigado por ter, como o imperador Henrique IV, outro excomungado, atacado a Santa Sé com todas as suas forças”, escreve o autor. “O papa escolheu condená-lo por sua moral. Mais precisamente, por seu comportamento matrimonial. Segundo Sigeberto de Gembloux, foi censurado por ter, ‘com sua mulher estando viva, tomado por mulher a mais (superduxerit) a mulher de um outro que, ele também, estava vivo’. Bernoldo de Saint-Blasien vai ao ponto: ‘Tendo expulsado sua própria mulher, uniu-se pelo casamento com a esposa de seu vassalo’, e o motivo da punição foi o ‘adultério’.”
“Com efeito, a teoria se construiu lentamente, por meio de um trabalho sinuoso, hesitante, durante o qual, ao longo dos séculos, textos contraditórios se acumularam em estratos sucessivos”, pontua Duby. “Essa teoria, porém, fundamenta-se numa base: a mensagem, a palavra de Deus, um pequenino número de palavras.” No entanto, o estabelecimento do que vale ou não no casamento não se dá apenas a respeito da moral e da ordem, tanto no domínio público quanto no privado, mas igualmente sobre os desenvolvimentos políticos que as alianças familiares podiam induzir ou barrar. Nessa queda de braço em que os religiosos demonstraram certa primazia, os teóricos da Igreja, a partir de referências bíblicas e eclesiásticas que eles adotaram ou descartaram de acordo com a conveniência, estabeleceram percepções que, muitas vezes, chegam aos nossos dias.
Sobre o autor - O historiador francês Georges Duby (1919-1996) é um dos mais influentes medievalistas do mundo. Dele, a Editora Unesp já publicou Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos, em 2003.
Na foto ao lado, Georges Duby na cerimônia em que recebe título honorífico, em 20 de outubro de 1980, na Vrije Universiteit Amsterdam.
Título: O cavaleiro, a mulher e o padre
Autor: Georges Duby
Tradução: Jorge Coli
Número de páginas: 362
Formato: 13,7 x 21 cm
Preço: R$ 79
ISBN: 978-65-5711-090-4