Com a falência dos regimes comunistas em parte do Centro e do Leste da Europa, para o filósofo, abria-se uma janela de discussão sobre o que se pretendia por socialismo daquele momento em diante
Diante do propósito sistemático do prolífico filósofo alemão Jürgen Habermas de produzir e renovar constantemente diagnósticos críticos do tempo presente, em alguns casos, estes esforços se mostram ainda mais desafiadores quando considerada a complexidade das transformações em curso. É o caso do livro A revolução recuperadora, publicado originalmente no início de 1990 e que agora ganha tradução inédita no Brasil pela Editora Unesp. Nele, Habermas tece considerações sobre os caminhos que se apresentam ao socialismo com a queda dos regimes comunistas em parte do Centro e do Leste da Europa e o apregoado “fim da história” com a “vitória” do capitalismo.
“Sem dúvida, estava-se diante de um momento de ruptura, mas as apostas em torno de seus desdobramentos apontavam consideráveis expectativas divergentes”, anota o tradutor da obra, Rúrion Melo, na apresentação. “Para muitos, tal ruptura era motivo de comemoração, pois teríamos finalmente chegado ao ‘fim da história’ com a vitória, supostamente decisiva, das sociedades capitalistas. Os partidários da esquerda socialista, por seu turno, adotaram uma postura reativa, às vezes resignada e, no limite, niilista, em face dos acontecimentos, dependendo do paradigma ao qual pertenciam, o revolucionário ou o reformista. Se os revolucionários entendiam que o colapso do comunismo interrompia de vez os propósitos emancipatórios do socialismo, os reformistas se atinham ao programa socialdemocrata há muito envolto em uma crise de legitimação, o qual continuava incapaz de gerar formas de vida emancipadas com meios meramente administrativos. É precisamente a equiparação entre o socialismo burocrático (centrado no Estado) e a orientação emancipatória da esquerda socialista que, aos olhos de Habermas, precisava ser problematizada criticamente.”
Ao longo de seis grandes eixos, o autor detalha sua visão de “revolução recuperadora”, que abriria uma janela às reflexões sobre a “necessidade de revisão da esquerda”, e a respeito do “que significa socialismo hoje”, tanto à luz de sua herança teórica quanto de seu potencial ainda não esgotado para produzir formas radicalmente democráticas de vida.
“A expressão ‘revolução recuperadora’ é de difícil apreensão e lança luz sobre aspectos distintos dos processos de transformação do período mencionado”, explica Melo. “Em primeiro lugar, ela remete à ampla crise de legitimação de um modelo de sociedade que, além de ter sido incapaz de assegurar as condições de reprodução material de vida, estabeleceu-se sobre estruturas de poder não democráticas, impostas de cima para baixo. Em segundo lugar, o termo denota experiências diversas de práxis política, uma série de manifestações de indignação e revolta de populações sufocadas pelo poder estabelecido, apontando para as aspirações socialmente partilhadas em prol de uma radical democratização da sociedade, que foi conduzida, neste caso, pela “pressão das ruas”, ou seja, de baixo para cima.”
Os escritos de Habermas levam à conclusão de que os sentidos da emancipação ainda estão em disputa. Isso significa que, a despeito das mudanças enfrentadas, a história não chegou ao seu fim, que existem sim alternativas diante de um capitalismo ganancioso e desumano, de governos antidemocráticos, autoritários e violentos, de violações de direitos humanos, da xenofobia, intolerância e perda de solidariedade, do racismo, do sexismo, da homofobia – em suma, diante das dores, sofrimentos, humilhações, injustiças e opressões identificáveis, mas, acima de tudo, evitáveis.
Sobre o autor – Um dos mais importantes filósofos da atualidade, Jürgen Habermas, nascido na Alemanha em 1929, criou uma nova visão sobre as relações entre linguagem e sociedade. Foi professor de Filosofia da Universidade de Heidelberg e da New York School for Social Research, além de codiretor do Instituto Max Plank para a Investigação das Condições de Vida do Mundo Técnico-Científico, em Starnberg. Os títulos da Coleção Habermas podem ser conferidos aqui.
Título: A revolução recuperadora: pequenos escritos políticos VII
Autor: Jürgen Habermas
Tradução e apresentação: Rúrion Melo
Número de páginas: 336
Formato: 14 x 21 cm
Preço: R$ 78,00
ISBN: 978-65-5711-046-1