Historiador francês percorre, com seu estilo saboroso característico, os significados do conceito desde as civilizações orais, passando pelas grandes religiões até chegar ao desenho do inferno na atualidade
A concepção do inferno é uma constante em todas as civilizações, desde os textos mais antigos da humanidade, que estão ligados às primeiras ideias religiosas, até os escritos contemporâneos de pensadores ateus. Seja como um lugar sombrio no além ou uma condição de angústia existencial experimentada neste mundo, o inferno é um conceito versátil, sujeito a adaptações de acordo com os diferentes tipos de sociedade. E é para investigar o percurso do inferno ao longo das civilizações que nasce História do inferno, do renomado historiador francês Georges Minois, que acaba de ganhar nova tiragem.
“O inferno está de mudança, ele troca o além pelo mundo terrestre”, registra Minois. “As religiões não podem negar oficialmente a existência de um inferno post mortem para os pecadores renitentes – existência que elas afirmaram durante tanto tempo –, mas esse inferno se tornou para elas um problema, mais que uma solução. Quando a questão é levantada na mídia, a resposta embaraçada dos teólogos é uma conversa fiada espiritualista e simbólica destinada a ‘despistar’.”
Ao longo de nove capítulos, o autor mostra a presença constante do conceito de inferno em diversas civilizações, desde as antigas sociedades orais, como a África negra e os infernos xamânicos, até as grandes religiões orientais antigas, incluindo os infernos mesopotâmicos e hinduístas. Explora também os infernos pagãos clássicos, como os gregos e o inferno existencial de Lucrécio, bem como os infernos bíblicos e hebraicos. Além disso, a obra aborda a evolução do inferno cristão, desde suas bases na tradição popular até as visões monásticas e teológicas. Discute ainda os derivados desse conceito no mundo muçulmano, o papel do inferno na Idade Média e suas representações artísticas e literárias. O autor analisa o apogeu e questionamento do inferno nos séculos XVII-XIX, incluindo seu endurecimento no século XIX e as críticas surgidas nesse período. Por fim, explora as metamorfoses do inferno nos séculos XIX-XX, destacando o recuo dos medos escatológicos e as transformações contemporâneas desse conceito.
“Se o inferno do além não interessa mais a muita gente, o inferno terreno nunca foi tão popular: diariamente vemos suas imagens na tevê, e isso não comove mais. O século XXI se encaminha para ser sua apoteose: inaugurado pela queda das torres infernais do World Trade Center em 2001, seguida pela vaga terrorista jihadista, ele está indo direto para o inferno planetário anunciado pela poluição generalizada, a explosão demográfica e o desequilíbrio climático”, provoca. “O inferno das religiões pode ser relegado à história dos mitos, pode fechar suas portas: temos tudo de que precisamos na Terra, ultrapassando até mesmo as visões mais selvagens dos monges medievais. Mas será que o próprio termo “inferno”, tão banalizado, ainda faz sentido? A evolução do mito do inferno é um bom indicador das transformações éticas que estão ocorrendo em nossas sociedades; seu último avatar também revela as inquietações do mundo contemporâneo diante de um futuro mais incerto que nunca.”
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