Albert Camus disse que “só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio”. Para ele, o “resto” vinha depois. Mas, se a questão da morte voluntária é reconhecida como relevante, o ato em si nunca deixou de ser objeto de reprovação social e religiosa. De fato, mesmo nos dias desassombrados da contemporaneidade, falar sobre suicídio é tabu, o que denota o emaranhado de elementos antropológicos, psicológicos e éticos que assolam o tema. As complexidades desse terreno são enfrentadas em História do suicídio: a sociedade ocidental diante da morte voluntária, do historiador Georges Minois, em que se faz um denso apanhado sobre o “assassinato de si mesmo” ao longo da história humana. A obra acaba de ganhar nova tiragem.
“É em 1600 que Shakespeare formula, em Hamlet, com uma simplicidade terrível, a pergunta fundamental: ‘Ser ou não ser? Eis a questão’. É essa pergunta que nos servirá de guia”, escreve Minois. “Por que, em uma determinada época, alguns homens escolheram não mais ser? Cada um tinha suas razões, e é importante compreendê-las, pois essa atitude revela os valores fundamentais da sociedade. Ela afeta ao mesmo tempo o indivíduo e o grupo”.
Por onze capítulos, Georges Minois conduz os leitores a um mergulho na Antiguidade, na Idade Média e no Renascimento chegando à Revolução Francesa e ao Século XX, buscando encontrar as raízes filosóficas para se entender as mortes voluntárias. Mas ele faz um alerta: “Não podemos estudar os suicídios como podemos fazê-lo em relação à destruição provocada pela peste ou pela tuberculose, pois a morte voluntária é um tipo de óbito cujo significado não é de ordem demográfica, mas filosófica, religiosa, moral, cultural”, aponta. “O silêncio e a dissimulação que a rodearam durante muito tempo instauraram um clima de mal-estar em torno dela.”
“Homens e mulheres escolheram a morte”, escreve Minois. Apesar disso, esse caminho nunca foi tratado com indiferença. “Aclamada em raras circunstâncias como um ato de heroísmo, ela foi, na maioria das vezes, objeto de reprovação social. Isso porque o suicídio é considerado ao mesmo tempo uma ofensa a Deus, que nos deu a vida, e à sociedade, que provê o bem-estar de seus membros”, acrescenta. Apesar disso, surgem indagações e modificações na forma de pensar o suicídio. “É essa mudança crucial nas mentalidades ocidentais, à qual se deu pouquíssima atenção até o momento, que gostaríamos de examinar.”