*Por Claudia Costa
Obra reúne textos publicados pelo poeta modernista na coluna Cinematographos, do jornal O Estado de S. Paulo, no período de 1926 a 1942
As críticas cinematográficas escritas por Guilherme de Almeida ganham as quase 700 páginas do livro Cinematographos: Antologia da crítica cinematográfica, da Editora Unesp, em parceria com a Casa Guilherme de Almeida. Organizados por Donny Correia (poeta e cineasta, mestre e doutorando em Estética e História da Arte na USP) e Marcelo Tápia (poeta, tradutor e ensaísta, graduado em Letras e doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP, atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP), os 218 textos, entre crônicas e críticas, retratam a arte cinematográfica, acompanhando a evolução tecnológica do cinema, a censura, a chegada do filme sonoro e a resistência a essa novidade, entre outras impressões do autor sobre grandes clássicos da época.
Segundo Donny Correia em seu artigo, o livro cumpre duas funções: “colocar em evidência o papel crucial que o poeta Guilherme de Almeida exerceu no contexto da historiografia da crítica cinematográfica no Brasil (…) e documentar o essencial de sua atuação como crítica de cinema e possibilitar a compreensão de seu ponto de vista a partir da análise fílmica que empreendia a cada texto seu”. O poeta foi o desbravador de um novo segmento no jornalismo cultural brasileiro, quando assume “a sessão Cinematographos, do jornal O Estado de S. Paulo, em novembro de 1926, até então uma nota de rodapé cuja função era informar ao leitor quais filmes estavam em cartaz em tais cinemas e em tais horários, e a transforma num espaço de reflexão diária sobre as produções que o leitor havia visto, ou veria, instigado pelos comentários”, diz Correia. Para o modernista, “o cinema representava o bastião maior da evolução tecnológica”. Além disso, o poeta era um dos editores e principal designer da revista modernista Klaxon, que abordava largamente o cinema, não apenas como mero entretenimento mas discutindo a nova arte.
Segundo Marcelo Tápia, uma das atividades pelas quais o poeta é pouco lembrado é a de crítico de cinema, função exercida na coluna: “a de ver e comentar as produções como obras de uma arte nascente, defendendo sua importância e sua especificidade (…) Guilherme demonstrava, em sua coluna, uma visão que transcendia a circunstância, alçava voos par alcançar o horizonte, enxergar, no ‘calor da hora’, o significado de uma obra no curso da arte: em O Encouraçado Potenkin, de S. M. Eisenstein (em cujo nome lia ‘Sua Majestade’ do cinema), por exemplo, o crítico divisou ‘um filme definitivo. Ele define o cinema como o cinema devia sempre ter sido definido: a Arte do movimento silencioso’”. Em seu tempo, como ainda informa Tápia, e empenho pela ascensão do cinema como arte, e, particularmente, “arte do movimento silencioso”, o levaria, assim como a Charles Chaplin, a acreditar nos filmes mudos e subestimar o futuro do cinema sonoro.
Entre tantos exemplos, o crítico cita Luzes da Cidade, “a obra-prima de Charles Chaplin e, talvez do cinema, que destrói como só o humor sabe destruir: pelo ridículo, pela deformação, pelo processo da ‘redução al absurdum’. Aponta ainda, entre os objetos de ‘destruição’ de Luzes da Cidade, “o frouxo sucesso do cinema falado, negando a necessidade de qualquer voz humana no filme e substituindo-a vantajosamente, como nos desenhos animados, pelo comentário cômico-musical”. Sobre o último filme de Chaplin, o satírico Tempos Modernos, diz “é, todo ele, pura e grande sátira. Sátira, em primeiro lugar e acima de tudo, contra o próprio cinema”, abordando ainda a questão de como o silêncio estava certo, “pois a atitude e a máscara são capazes de dizer mais, muito mais do que a pobre palavra humana…”
Mas, apesar de apegado ao cinema-arte que defendia, sua abertura para mudanças “o levaria a apreciação crítica dos filmes falados e, portanto, a repensar o papel da palavra no cinema”, afirma Tápia. Exemplo disso é a crítica a Cidadão Kane, obra marcante de Orson Welles, em que Guilherme de Almeida aponta o contraste entre a dificuldade de apreciação por parte do público no momento de sua exibição e o papel que representaria na história do cinema. “(…) isso tudo que fez quinta-feira última, à noite, esvaziar-se quase, em 20 minutos de projeção, a sala do Bandeirantes, isso mesmo há de fazer, num futuro que não tarda, encher-se e transbordar milhares e milhares de salas de um cinema que há de vir”.
Cinematographos: Antologia da crítica cinematográfica – Guilherme de Almeida, organizado por Donny Correia e Marcelo Tápia (Editora Unesp/Casa Guilherme de Almeida, 679 págs., R$ 95,00).
*Esta resenha foi originalmente publica no Jornal da Usp. Clique aqui e confira o texto original.