Verbete integrante da Enciclopédia - Volume 5, de Diderot e d'Alembert, organização Pedro Paulo Pimenta e Maria das Graças de Souza. São Paulo: Editora Unesp, 2015, págs. 305-307. É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nos poemas épico e dramático, a fábula, a ação, o assunto, são normalmente considerados como sinônimos; mas, numa acepção mais estrita, o assunto do poema é a ideia substancial da ação: a ação, consequentemente, é o desenvolvimento do assunto, e a intriga é essa mesma disposição considerada pelo lado dos incidentes que atam e desatam a ação.
Ora a fábula encerra uma verdade oculta, como na Ilíada, ora ela apresenta diretamente exemplos pessoais e verdades nuas, como no Telêmaco ena maior parte de nossas tragédias. Logo, não é da essência da fábula ser alegórica; basta que ela seja moral, e é isto que o padre Bossu não distinguiu suficientemente.
Como o fim da poesia é tornar, se possível, os homens melhores e mais felizes, um poeta deve, sem dúvida, ter cuidado, na escolha de sua ação, com a influência que ela pode ter sobre os costumes, e, seguindo esse princípio, nunca deveria nos ser apresentado o quadro que arrasta Édipo para o crime, nem o de Eletra incitando Orestes ao parricídio: “bate, bate, ela matou nosso pai”.
Mas essa atenção geral para evitar os exemplos que favorecem os maus e escolher os que podem encorajar os bons não tem nada em comum com a regra quimérica de só inventar a fábula e os personagens de um poema segundo a moralidade; método servil e impraticável, a não ser em pequenos poemas, como o apólogo, no qual não se dispõe dos grandes recursos do patético para comover, não se tem de pintar uma longa sequência de quadros, nem se precisa fornecer o tecido de uma vasta intriga.
É certo que a Ilíada contém a mesma verdade de uma das fábulas de Esopo, e que a ação que conduz ao desenvolvimento dessa verdade, no fundo, é a mesma numa e noutra. Mas que Homero, assim como Esopo, tenha começado propondo essa verdade; em seguida, tenha escolhido uma ação e personagens convenientes, e só tenha considerado as circunstâncias da guerra de Troia depois de ter decidido sobre os caracteres fictícios de Agamenon, Aquiles, Heitor etc., é o que só poderia sair da cabeça de um especulador que quer, se for permitido assim dizer, levar o gênio ao limite. Um escultor determina primeiro a expressão que ele quer construir, depois desenha a sua figura, e escolhe por fim o mármore próprio para executá--la. Mas os acontecimentos históricos ou fabulosos, que são a matéria do poema heroico, não são talhados como um mármore: cada um deles tem sua forma essencial, que só pode ser embelezada. E é dependendo da maior ou menor beleza que ela apresenta ou da qual é suscetível que é feita a escolha do poeta: Homero mesmo é um exemplo disto.
A ação de Odisseia prova, se se quiser, que um estado ou uma família sofrem com a ausência de seu chefe. Mas ela prova ainda melhor que não se deve abandonar seus interesses domésticos para se imiscuir nos interesses públicos, o que Homero não teve o desígnio de mostrar.
Do mesmo modo, pode-se concluir da ação da Eneida que o valor e a piedade reunidos são capazes das maiores coisas. Mas pode-se concluir também que algumas vezes é sábio abandonar uma mulher após tê-la seduzido e se apropriar do bem de outrem quando julgarmos conveniente, máximas que Virgílio estava longe de querer estabelecer.
Se Homero e Virgílio houvessem inventado a fábula de seus poemas tendo em vista apenas a moralidade, toda ação só chegaria a um único ponto; o desenlace seria como um fogo em que se reuniriam todos os traços de luz difundidos no poema, o que não acontece: assim, a opinião do padre Bossué desmentida pelos próprios exemplos com os quais ele pretende autorizá-la.
A fábula deve ter diferentes qualidades, umas particulares a certos gêneros,outras comuns à poesia em geral. Ver, quanto a essas qualidades comuns, os verbetes Ficção, Interesse etc. Para as qualidades particulares, os diversos gêneros de poesia e seus verbetes.
Sobretudo, como há uma verossimilhança absoluta e uma verossimilhança hipotética ou de convenção, e que todas as espécies de poemas não são suscetíveis de uma ou de outra, ver, para distingui-las, os verbetes Ficção e Tragédia.