Pelo diálogo racional*
Por Isabela Gaglianone
Para o intelectual italiano Norberto Bobbio (1909-2004), não há política sem cultura. Publicado originalmente em 1955 e agora publicado pela editora Unesp no Brasil, com tradução de Jaime A. Clasen e introdução e organização de Franco Sbarberi, o livro Política e cultura, coletânea de quinze ensaios, faz questionamentos profundos e atuais, como: “Qual o papel do intelectual quando as posições extremadas parecem turvar todo o debate?”; ou: “Qual a relação entre cultura e política em uma sociedade democrática?”.
O livro foi escrito em plena Guerra Fria, e é marcado pela aflição política daquele momento na Itália. É considerado um dos principais livros de Bobbio, testemunho de suas reflexões sobre um novo liberalismo ideal, que seria sensível aos temas da justiça social, porém convicto também sobre a necessária exigência de limitação constitucional e controle permanente dos poderes do Estado por parte dos cidadãos.
O intelectual aqui propõe uma reconstrução teórica da autonomia, do respeito e da responsabilidade individual. A cultura, nesse sentido, desempenharia papel fundamental, por significar, para Bobbio, ponderação, circunspecção e medida, pois fruto de diálogo e argumentação – segundo ele, o homem de cultura está mais preocupado em disseminar as dúvidas do que em apontar quaisquer certezas; o que não significa alheamento ou pudor em tomar partido, mas, ao contrário, defender a possibilidade de não aceitar polarizações, submetendo-as ao escrutínio da razão. O livro, portanto, traça a necessidade da construção de caminhos para o diálogo e para a crítica, em tempos de fundamentalismos e intolerância.
De acordo com Katia Saisi, ao “se recusar simplesmente a escolher entre posições extremadas, o autor italiano traça a figura do intelectual que, talvez ainda mais do que em seu tempo, é fundamentalmente necessário neste século XXI: o mediador que trabalha tendo como referência a virtude da tolerância e, como método, o diálogo racional. Essa posição assumida de um intelectual que funciona como consciência crítica do poder o leva a esboçar então uma teoria da democracia”.
Bobbio foi professor de filosofia do direito e de filosofia política e um dos mais importantes intelectuais do final do século XX. Defendia uma “política da cultura” que fosse além da defesa da liberdade: também defesa da verdade. Pois para ele, não haveria cultura sem liberdade, menos sem espírito de verdade; a ofensa mais comum à verdade são as falsificações dos fatos ou o tolhimento da razão.
Política e cultura testemunha sua vontade de perseguir um fluxo de diálogo, que, então, em plena Guerra Fria, parecia definitivamente comprometido. O medo terrorista retoma a questão com força, colocando em jogo a promessa da não manutenção da democracia. Há como pano de fundo da discussão, uma polêmica com a teoria gramsciana do intelectual orgânico que marca sua distância da concepção da cultura apolítica. Sua defesa metapolítica da visão liberal de limitação dos poderes do Estado é influenciada pelo conceito, de Benedetto Croce, da filosofia como momento metodológico da historiografia.
*Resenha publicada originalmente no site O Benedito, em 14 de janeiro de 2016, disponível neste link.