O desespero humano, que acaba de ganhar nova impressão, se tornou uma das obras centrais da Filosofia moderna ao afirmar a especificidade do indivíduo. Aqui, tanto pela profundidade quanto pela inovadora abordagem psicológica, Søren Kierkegaard (1813-1855) antecipa-se a muitas das inquietações contemporâneas essenciais que se tornariam mais claras apenas no século XX, como a crítica à sociedade de massas.
Por isso, a lista de filósofos e escritores que ele influenciou é tanto extensa quanto variada. Adorno, por exemplo, dedicou sua tese de doutorado à obra do dinamarquês, voltando a ele em vários momentos de sua vida, ressaltando sempre o seu caráter crítico e não conformista. O existencialismo de Sartre também lhe é tributário, assim como muito do pensamento de Nietzsche. Para Wittgenstein, trata-se de uma dos maiores filósofos modernos. A lista pode prosseguir com nomes tão díspares quanto importantes na Filosofia e na Literatura como os de Heidegger, Lacan, Merleau-Ponty, Karl Jaspers, Albert Camus, Franz Kafka, Elias Canetti, Walter Benjamin e Hanna Arendt, entre tantos outros.
Lugar onde Kierkegaard trabalha seus conceitos mais importantes, O desespero humano examina o nosso desejo de entender Deus e analisa a luta humana para eliminar as angústias quanto à imortalidade da alma, buscando assim preencher o vazio espiritual da existência. Uma conquista da eternidade que acontece no momento presente, integração do eterno no tempo que nos leva à perda da própria temporalidade. Ou seja, não se trata da conquista de uma outra vida por meio da fé, mas da imortalização “desde” a vida mortal.
Sem oferecer soluções acabadas, mas aprofundando o drama da existência, este livro publicado em 1849 é uma busca dos “como” e “porquês” da vida humana. O que Kierkegaard exige acima de tudo é que não se procure a fé e a verdade pelo abandono do humano. O que ele incansavelmente afirma é que a fé se conquista “quando o eu mergulha através da sua própria transparência até ao poder que o criou”.
Nesta reflexão teológica sobre o estado de desespero em que se coloca o ser humano diante do mundo de pecado em que vive, Kierkegaard esclarece porque agimos da maneira como agimos e quais são as estruturas internas de nossa criatividade e curiosidade. Ao percorrer o labirinto da alma em uma perspectiva cristã, conclama a “ousarmos ser nós próprios, ousar-se ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos”. Ou, como coloca Adolfo Casais Monteiro, esta obra admirável, cuja tradução o escritor português assina, “não contém outra coisa senão o estudo profundo, impiedoso, cruel até, das várias formas da luta do homem consigo próprio para a conquista da fé que é, para Kierkegaard, a conquista do próprio eu”.