Romance de caracteres múltiplos, mas de destino coletivo, O cortiço retrata a degradação e os males associados à promiscuidade da vida de trabalhadores pobres amontoados em habitações coletivas
Costumam-se atribuir duas fases à obra de Aluísio Azevedo, romancista, contista e dramaturgo que teve vasta carreira diplomática: uma delas está representada pelos folhetins comerciais, de forte apelo à estética romântica, atendendo à expectativa do público da época; a outra apresenta obras com mais depuração narrativa, concebidas para a edição em livro e associadas aos preceitos da escola naturalista, como Casa de pensão, O coruja, O mulato e, sua obra-prima, O cortiço, que vem integrar a Coleção Clássicos da Literatura Unesp, lançamento da Editora Unesp.
Este texto compõe um projeto inconcluso do autor, intitulado Brasileiros antigos e modernos, tentativa de constituir ficcionalmente, mas em perspectiva histórica, um painel da formação da sociedade brasileira. Evidencia-se no texto a influência do naturalismo francês, notadamente do romance L’Assomoir, de Émile Zola: as duas obras se destacam pela evocação de temáticas polêmicas à época – sexualidade, loucura, adultério, racismo, prostituição, hereditariedade –, tratadas com instrumental típico do chamado “naturalismo literário”, ao qual se associam o determinismo, o evolucionismo e o positivismo. Tendo por pano de fundo constante essa perspectiva naturalista, acompanhamos a rotina de personagens cuja decadência do caráter é consequência cientificamente dedutível a partir do ambiente em que vivem.
O cortiço é, assim, um romance de caracteres múltiplos, mas de destino coletivo. Retrata a degradação e os males associados à promiscuidade da vida de trabalhadores pobres amontoados em habitações coletivas, submetidos à exploração inescrupulosa do português João Romão, personagem movido pela sanha de enriquecimento e ascensão social. O romance também pode ser lido em sua dimensão alegórica: o cotidiano da habitação popular fluminense representaria uma miniatura do Brasil do século XIX.
O autor, por meio de sua obra, deixa clara a visão pessimista da época. “Naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa”, escreve Azevedo, “começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.” Tal é a vida no País: uma mistura de raças, o choque entre elas, e com o escroque estrangeiro na porta de entrada a extorquir seus habitantes. Para ele, a força da “natureza brasileira” é incompatível com a ordem e a ponderação dos costumes europeus, em um olhar marcado pela concepção determinista do meio físico, e que contrasta com a euforia nacionalista do Romantismo que o autor procurou superar.
Sobre a coleção – Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Confira aqui as obras já publicadas.
Título: O cortiço
Autor: Aluísio Azevedo
Número de páginas: 288
Formato: 13,7 x 21 cm
Preço: R$ 59
ISBN: 978-65-5711-066-9