Os 30 anos da Editora Unesp, por Jézio Gutierre

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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Trajetória bem-sucedida depende de três valores cardeais: independência editorial, presença comercial e pluralidade de catálogo

Lá pelos fins da Idade Média, uma nova tradição começou a se instalar hegemonicamente no Ocidente, tradição que via o conhecimento legítimo como resultado exclusivo da troca de informação e crítica comunitária. O nascimento da ciência empírica está intrinsecamente ligado a esse espírito cooperativo e democrático em que todos podem participar e criticar, deixando para trás o discurso sagrado e dogmático ou a palavra imutável do sábio de plantão. Passa então a ser crucial que toda a comunidade envolvida na pesquisa de determinado campo possa se comunicar, seja para refutar, seja para acatar e aperfeiçoar as ideias dos outros participantes. Nessa dinâmica revolucionária, ciência sem comunicação científica é erudição vazia, onanismo acadêmico, oneroso para a sociedade e simulacro de conhecimento.

As universidades, peça essencial no advento dessa nova maneira de conhecer o mundo, juntaram-se rapidamente a esse esforço ao perceberem a necessidade de alicerçar o diálogo entre os pesquisadores, mesmo aqueles (ou especialmente aqueles) não pertencentes ao seu grupo interno. Justamente para isso Cambridge e Oxford, em meados do século XVI, inauguraram editoras próprias, iniciando uma trajetória ainda hoje marcante, seja para o mundo editorial, seja para o científico.

Foi com esse mesmo espírito que a Universidade Estadual Paulista promoveu, em 1987, a criação de sua editora, iniciativa que viria a constituir um dos setores mais dinâmicos e reconhecidos da Unesp no cenário cultural e científico brasileiro. Instituições coletivas, tanto quanto indivíduos, podem ter méritos historicamente atestados. A comunidade da Unesp, com a criação da Editora, confirma claramente essa tese: desde sua conformação original, os executivos da Editora, a administração central da Universidade e todos os seus colegiados maiores invariavelmente apoiaram com clarividência o fortalecimento de seu braço editorial. Nesse contexto, diretrizes nítidas garantiram nossa subsistência financeira e operacional e um perfil conscientemente alinhado àquilo que de essencial e saudável existe nas mais emblemáticas editoras universitárias estrangeiras. A manutenção de tais princípios é tão mais elogiável quando se percebe o quanto é difícil promovê-los, mesmo em universidades maiores, mais maduras e mais estruturadas do que a Unesp em seus primeiros anos.

Mas quais seriam esses traços, os valores cardeais que chancelaram e permanecem sendo típicos da trajetória bem-sucedida da Editora? A meu ver, sempre nos beneficiamos de um tripé de sustentação composto por (1) independência editorial, (2) presença comercial e (3) pluralidade de catálogo. A seleção de títulos sempre foi regida pela qualidade do material e a oportunidade editorial, independentemente de sua origem ou apadrinhamentos. O funcionamento de um conselho editorial efetivo e não apenas homologatório, assessorado por pareceres externos, garante que o processo avaliador seja conduzido da maneira mais eficiente possível. Mas de nada adiantaria uma seleção criteriosa se os títulos selecionados e publicados não fossem devidamente distribuídos e alcançassem seus leitores potenciais. A atenção à presença comercial e a sempre renovada preservação de nossa rede de distribuição, especialmente em um país com as dimensões do Brasil, permitem que nossos livros circulem e cumpram seu destino. Finalmente, a pluralidade de catálogo, aqui entendida como distanciamento franco da endogenia e sistemática abertura aos temas e autores mais diversos, permite que estejamos presentes horizontalmente, praticamente em todos os temas acadêmicos, e abertos a contribuições de todo o mundo. Com base nesses três princípios, a FEU assegura e aprofunda a inserção da Unesp no circuito acadêmico nacional e internacional, em perfeita harmonia com os ideais científicos clássicos mencionados anteriormente.

Hoje, como resultado da aplicação sistemática dos princípios enunciados acima, publicamos 200 títulos todos os anos, possuímos catálogo extraordinariamente sólido, uma distribuição de âmbito nacional, qualidade editorial reconhecida e atestada por prêmios e prestígio público. É bem verdade, entretanto, que os sucessos do passado não garantem a superação dos enormes desafios que se avizinham. O mundo editorial está passando por mudanças profundas, acadêmicas, comerciais e tecnológicas – o advento dos e-books é apenas uma delas –, e todos os seus participantes estão conscientes de que práticas tradicionais deverão ser reformuladas.

Para enfrentar esse ambiente excepcionalmente turbulento, estamos aparelhados com nossos 30 anos de experiência consistente, a integração frutífera com todas as áreas da universidade que nos abriga e um corpo de funcionários competente, profissional e dedicado. Sobre essa base, a Unesp pode, com segurança, preservar o orgulho pelo que conquistamos e a confiança no que ainda desenvolveremos.

Jézio Hernani Bomfim Gutierre é diretor-presidente da Fundação Editora da Unesp  e professor da Faculdade de Filosofia e Ciências, Câmpus da Unesp de Marília

Artigo originalmente publicado no Jornal Unesp nº 335 - Agosto 2017 - Disponível em: https://issuu.com/acireitoria/docs/ju335