Rapsódia capital de Mário de Andrade resgata a grandeza do modernismo nacional

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Nova edição de Macunaíma, que integra a Coleção Clássicos da Literatura Unesp, mostra o “herói sem nenhum caráter” a partir de referências do folclore brasileiro e de tradições populares

“A vida é uma luta e nesse jogo do Macunaíma perdi de 1 a 0: eu errei. Macunaíma é uma obra-prima que falhou”, escreveu o desalentado Mário de Andrade (1893-1945) ao amigo e também escritor Fernando Sabino, por conta da recepção de seu romance quando publicado em 1928, apenas seis anos depois da estrondosa Semana de Arte Moderna de 1922. Mas o tempo viria contradizê-lo e a consagrá-lo como um dos grandes nomes da vanguarda brasileira, cuja influência transcendeu as fronteiras do Brasil. Seu Macunaíma: o herói sem nenhum caráter ganha nova edição pela Coleção Clássicos da Literatura Unesp.

O paulistano Mário de Andrade já estava acostumado às fortes reações que sua obra provocava na audiência. Como esquecer as vaias da elite da cultura nacional, em 1922, no Theatro Municipal de São Paulo, enquanto declamava seu poema “Ode ao burguês”, parte do livro Pauliceia Desvairada? No entanto, o público se acostumaria, claro. E a história daria ao escritor seu lugar de honra entre os escritores nacionais. 

Por suas próprias escolhas temáticas, o caminho foi duro. Em um primeiro momento, Amar, verbo intransitivo, editado em 1927, mexeu com pudores ao abordar os percalços da iniciação sexual de um garoto. E, no ano seguinte, sofreu com a originalidade de seu Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Obra autodefinida como “rapsódia”, pinta esse tipo ao mesmo tempo estranho e familiar, Macunaíma, como um “preto retinto filho do medo da noite”, “criança feia” fruto de miscigenação com índio amazônico. 

Ao longo da história, os leitores acompanham sua errante peregrinação, já em idade adulta, para recuperar um amuleto que lhe guarda um grande valor afetivo. As camadas de complexidade com que Mário de Andrade envolve seu pícaro protagonista – um tipo que não vai à cidade ansiando por um choque de modos cosmopolitas, mas para “buscar sarna pra se coçar” –, tornam o livro uma espécie de acontecimento literário único, surpreendente, inclassificável.

O texto-base deste trabalho, que Mário referenciou com uma paleta que reunia elementos do folclore nacional e de suas mais entranhadas tradições populares, além de lendas indígenas, mitologia e psicanálise, consumiu poucos dias. Ele explica sua origem no manuscrito ao primeiro prefácio, de 1926: “topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grünberg [autor de Do Roraima ao Orinoco, publicado pela Editora Unesp, em que relata sua viagem pela região Norte do Brasil e pela Venezuela, no período de 1911 a 1913]. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter.” No entanto, o lançamento só ocorreu dali a dois anos, numa edição paga do bolso do autor com papel inferior para que a tiragem fosse maior. 

Com um pé no fantástico e outro nos acontecimentos ordinários, Macunaíma busca mostrar na personificação do herói sem caráter uma alegoria da identidade nacional. O escárnio, a procrastinação, a malandragem, a insolência, a libertinagem irreprimível, a moral volúvel: marcas que Macunaíma estaria fadado a carregar naqueles tempos e que, talvez, carregue até hoje. 

Sobre a coleção - Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Já estão publicados outros nove títulos. Confira aqui.

Título: Macunaíma: o herói sem nenhum caráter
Autor: Mário de Andrade
Número de páginas: 188
Formato: 13,5 x 20 cm
Preço: R$ 45
ISBN: 978-85-393-0834-7

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