Dramaturgo e romancista se opõe ao determinismo realista e naturalista, e constrói o imprevisível jogo do acaso em seu romance O falecido Mattia Pascal, novo título da Coleção Clássicos da Literatura Unesp
Quando Mattia Pascal abre sua própria história, diz não saber se foi caçador de ratos ou guarda-livros numa biblioteca deixada por um monsenhor como herança à aldeia. “Talvez tenham pena de mim (custa muito pouco), imaginando a dor atroz de um desventurado que de repente descobre que… sim, nada, enfim: sem pai nem mãe, como morreu ou deixou de morrer; e talvez se revoltem (custa menos ainda) com a corrupção dos costumes, dos vícios e da tristeza dos tempos, que podem causar tanto mal a um pobre inocente. Bem, fiquem à vontade. Mas é meu dever adverti-los de que não se trata exatamente disso.” Daí já se pode começar a ter uma ideia sobre quem é o protagonista de O falecido Mattia Pascal, romance mais conhecido do dramaturgo e escritor italiano Luigi Pirandello (1867-1936), que chega em nova tradução pela Coleção Clássicos da Literatura Unesp.
Escreveu desde cedo, sejam ensaios e artigos para revistas, quando era professor de italiano, seja o primeiro romance, que veio aos 26 anos. A escrita o acompanhou ao longo de sua vida até que, em 1921, com a encenação de Seis personagens em busca de um autor, revolucionou a linguagem teatral, com seu humor e originalidade. A partir de então, dedicou-se de corpo e alma à dramaturgia. Interessava-se também pelo cinema. Entretanto, foi vítima do acaso: contraiu pneumonia durante as filmagens de seu O falecido Mattia Mascal e morreu em dezembro de 1936. Dois anos antes, já tinha sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
Este mesmo acaso que o vitimou interessava a Pirandello como motor de suas obras, fazendo com que essa vertente esteja presente de forma muito bem polida em seu romance mais famoso. Na história, Mattia Pascal, pequeno burguês da província de Miragno, é perseguido por credores e convive em um ambiente familiar miserável. Por um golpe do destino, entretanto, tem a chance de escapar de sua rotina infeliz: ganha pequena fortuna em um cassino de Monte Carlo e, ao mesmo tempo, é dado como morto em sua cidade natal, confundido com o cadáver de um afogado. Aproveitando-se da situação, Mattia Pascal busca construir uma nova identidade e parte em viagem pela Europa. Diversos imbróglios, todavia, lhe atravessam o caminho, e o imprevisível se impõe novamente com força na trama.
A obra concentra dois temas caros ao universo ficcional de Pirandello: a vida social vista como “armadilha” inescapável e a identidade submetida a máscara socialmente imposta, que sufoca a personalidade multifacetada do ser humano. Do ponto de vista narrativo, o autor abandona a terceira pessoa, típica de obras realistas, em favor do narrador em primeira pessoa: é o protagonista quem revive sua história, registrando sua experiência de modo retrospectivo. Os eventos, portanto, são narrados de uma perspectiva subjetiva, portanto parcial, o que contribui, ao lado do jogo do acaso, para relativizar a realidade. A época que testemunhou o colapso do sujeito autocentrado e a crise da ideia de realidade ordenada encontrou em Luigi Pirandello um de seus intérpretes mais agudos, e em O falecido Mattia Pascal, a figura do anti-herói moderno, protótipo do personagem inepto e protagonista oprimido pela própria história.
Sobre a coleção - Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Já estão publicados outros nove títulos. Confira aqui.
Título: O falecido Mattia Pascal
Autor: Luigi Pirandello
Tradução: Silvia Massimini Felix
Número de páginas: 262
Formato: 13,5 x 20 cm
Preço: R$ 55,00
ISBN: 978-85-393-0831-6