Diderot empreende investigação profunda sobre a visão e a audição

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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Questionando as concepções tradicionais e buscando desvendar as complexidades do mundo percebido, enciclopedista se empenha em libertar as faculdades sensoriais de sua prisão hierárquica
 

O enciclopedista Denis Diderot entrou para a história da filosofia como um pensador errático, incapaz de produzir um sistema coerente. No entanto, ao reunir, pela primeira vez em português num único volume Carta sobre os cegos e Carta sobre os surdos-mudos, a Editora Unesp convida os leitores brasileiros a adentrar no universo intelectual de um dos pensadores mais provocativos e ousados do século XVIII que, com sua mente inquieta e questionadora, desafia de forma contundente o senso comum da incoerência sobre sua produção. Além disso, nesse diálogo epistolar único, podemos vislumbrar os trilhos de sua filosofia, os quais nos conduzem por um caminho desafiador e surpreendente.

“A ideia de que as duas Cartas de Diderot aqui reunidas formam um par depende quase exclusivamente da referência sensorial contida em seus respectivos títulos, ‘sobre os cegos’, ‘sobre os surdos-mudos’. Muitas outras coisas parecem separá-las, a começar pelo estilo, demonstrativo na primeira, ensaístico na segunda”, anota o professor Pedro Paulo Pimenta no prefácio. “A exposição sobre os cegos é ágil e direta, caminha com rapidez rumo ao seu objetivo, passando por três personagens desenhados a partir da vida real – na verdade quatro, se contarmos o apêndice acrescentado posteriormente. A discussão sobre os surdos-mudos é lenta e digressiva, às vezes parece fora de foco, não tem personagens, e desemboca em um apêndice que, pela sua extensão, ameaça o equilíbrio formal do texto. Enquanto na primeira carta, datada de 1749, Diderot elege uma série de aliados para sustentar as conclusões controversas a que chega, na segunda, de 1751, ele prefere se deter nos adversários. Ambos são escritos experimentais, pois, além de não chegarem a conclusões definitivas, procedem a partir do exame de um repertório de casos: indivíduos cegos aqui, evidências textuais ali.”

As cartas revelam uma luta constante contra a hierarquização dos sentidos, algo que incomodava profundamente o autor de O sobrinho de Rameau. Diderot empreende uma intensa investigação sobre a audição e a visão, questionando as concepções tradicionais e buscando desvendar as complexidades do mundo percebido. Esse mergulho nas profundezas da percepção humana nos conduz a uma jornada de desconstrução, em que Diderot desafia as antigas opiniões e se empenha em libertar as faculdades sensoriais de sua prisão hierárquica. Ao explorar a natureza e a arte nas duas cartas, ele busca romper os obstáculos que limitam nosso entendimento do mundo e da própria experiência humana.

“Há outras afinidades óbvias quando as cartas são lidas em conjunto”, anota Pimenta. “A principal delas, eu gostaria de sugerir, é a ideia nítida que elas pintam, na imaginação do leitor, de um novo objeto, livre, autônomo, ativo, dotado de regras próprias: o corpo vivo, materialidade que desponta como pura sensação, que existe por si mesmo, não foi criado, e é, nessa medida, um indício de que a própria ideia de criação se tornou obsoleta. Essa pintura é feita magistralmente por meio de uma hábil combinação entre diferentes perspectivas, à maneira da mônada de Leibniz. O cego que não vê sente na pele o que escapa aos dotados da visão, e, com isso, tem uma ideia diferente da tão propalada ‘ordem da natureza’. O surdo-mudo não fala nem ouve, mas gesticula, seu corpo é puro movimento, unidade que configura e reconfigura o espaço à sua volta. O esquema perfeito dessa totalidade integrada é o hieróglifo ou o ideograma. Assim como a verdade da visão está no tato – o olho sente tão fisicamente os objetos que o afetam quanto a pele –, a da fala está no gesto silencioso, primeira figuração do que Robert Bringhurst chamará de ‘forma sólida da linguagem’.”

Além das cartas, o leitor encontrará, ainda, dois documentos complementares: o verbete “Cego”, escrito por d’Alembert para a Enciclopédia (v.1, 1751), na verdade uma resenha crítica da Carta sobre os cegos, bem como a resenha do Tratado das sensações, escrita por Grimm, para a Correspondance littéraire, que inclui uma apologia da Carta sobre os surdos-mudos.  

Sobre o autor 

O francês Denis Diderot (1713-1784), um dos grandes homens de letras da Europa do século XVIII, foi, ao lado de Jean le Rond d’Alembert, editor-chefe da Enciclopédia. A Editora Unesp lançou a mais abrangente versão da obra magna do Iluminismo fora da França, em seis volumes, além de O Sobrinho de Rameau e O sonho de D’Alembert e outros escritos. Em 2023, a edição brasileira da Enciclopédia será completada com um sétimo volume.  

Título: Carta sobre os cegos e Carta sobre os surdos-mudos
Autor: Denis Diderot
Organização: Pedro Paulo Pimenta
Tradução: Franklin de Mattos, Maria das Graças de Souza, Fábio Stieltjes Yasoshima
Número de páginas: 232
Formato: 13,7 x 21 cm
Preço: R$ 49
ISBN: 978-65-5711-193-2

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