A autora, pesquisadora, crítica literária e ex-curadora do Prêmio Jabuti, Marisa Lajolo publicou em seu perfil no Facebook, em 3 de abril de 2017, uma resenha sobre o lançamento Machado de Assis, o escritor que nos lê, de Hélio de Seixas Guimarães. Confira abaixo o texto na íntegra:
Em livro de 2004 (Os leitores de Machado de Assis – o romance machadiano e o público da literatura no século XIX, com nova edição em 2012), Hélio Guimarães ocupou-se dos leitores machadianos, articulando de forma bastante original e fundamentada, a “virada” de “Memórias póstumas...” à tomada de consciência de Machado da exiguidade e precariedade do público leitor brasileiro da época.
Desta vez, Hélio Guimarães continua discutindo leitores machadianos, mas se trata agora de leitores muito especiais: leitores com nome e sobrenome, que tornam públicas suas leituras. Protagonistas deste livro de agora são tipos especiais de profissionais das letras, como professores, críticos, pesquisadores, jornalistas. Time no qual o próprio Hélio se inscreve, logo ali, no além Pinheiros do campus da USP.
Penso que os profissionais das letras de que Hélio se ocupa leem-se uns aos outros e funcionam todos como mestres-educadores. Alguns por conta do ofício, outros porque seus textos são às vezes lidos como fonte de informações, de orientação, de avaliação.
Uma das delícias deste Machado de Assis, o escritor que nos lê é nos levar pela mão – a nós leitores- por entre o coro de todas estas vozes menos ou mais canônicas, e nos propor relações entre elas. Ou seja: lendo Hélio Guimarães, a gente se pergunta se depois de José Rufino Rodrigues Vasconcelos (do Conservatório Dramático Brasileiro), que em 1857 ocupou-se de Machado, algum comentário sobre Machado teria sido virgem da leitura de outros comentários.
Teria ? Sei não ... sei não.
Na sugestiva e bem fundamentada análise que Hélio faz de número considerável de textos sobre Machado, por tabela o leitor também percorre diferentes tendências dos estudos literários (eu ia escrevendo “teorias literárias”, vejam só ...) que – digamos – inspiraram críticas, artigos e livros. Podemos identificar tendências e olhares que ora privilegiam a biografia de Machado, ora seu modo de usar a língua portuguesa, ora traços de sua psicologia, ora a relação de suas obras com processos sociais e históricos contemporâneos de sua época, e daí por diante. No coro de vozes que Hélio Guimarães orquestra, penso que podemos delinear o traçado de um “sistema literário” já maduro, na acepção que em 1959 Antonio Cândido conferiu a esta expressão.
Várias das tendências das leituras machadianas reunidas em Machado de Assis, o escritor que nos lê articulam-se, na análise de Hélio Guimarães, a certas perspectivas sócio-históricas contemporâneas de seus autores, e por eles (supõe-se ?) assumidas. A sagração de Machado pelo Estado Novo, as reticências do modernismo paulistano face a ele e a descriminalização (?) feminista de Capitu são as minhas preferidas. Me encantaram! Mas – deixa “meus“ encantos pra lá ... o livro tem encantos para todo tipo de leitor, figura à qual – ia me esquecendo de apontar! - Hélio Guimarães dedica a parte final de seu livro.