Ao contar história de amor entre a índia Iracema e o colonizador Martim, escritor contrapõe o amor ao dever e inclui o ideário nacionalista, como projeto de construção de uma literatura nacional
O romancista José de Alencar, que também atuou como cronista, dramaturgo, ensaísta e político, é autor de obras memoráveis: um de seus trabalhos mais conhecidos, O Guarani, foi publicado em forma de folhetim no Diário do Rio e, posteriormente, adaptado para ópera por Carlos Gomes, fato que assegurou ao autor um lugar central no Romantismo brasileiro. Outro trabalho imortalizado e que contribui fortemente para o projeto de José de Alencar de fundação de uma literatura nacional é Iracema: lenda do Ceará, que vem a lume pela Editora Unesp na Coleção Clássicos da Literatura Unesp.
Iracema, ao lado do já mencionado O Guarani e também de Ubirajara, integra a trilogia dos romances indianistas de José de Alencar. Sua narrativa está centrada na história de amor entre a índia que dá nome ao livro e o colonizador Martim. Do encontro, nasce o romance amoroso que enseja a conformação de um cenário lendário para a origem do estado do Ceará. Assim como em outras obras de Alencar, Iracema mistura enredo ficcional com argumento histórico: o autor recupera relatos sobre a missão de Martim Soares Moreno, militar que defendeu os interesses da coroa lusitana no Brasil, e sua relação com os índios do litoral nordestino.
O enredo começa em 1608, quando Martim é indicado para regularizar a colonização da região Nordeste do Brasil, cuja área serrana fora ocupada pelos franceses. Aliado dos índios pitiguaras, que habitam o litoral, o explorador português perde-se durante uma caçada no território dos tabajaras, tribo aliada dos franceses e inimiga dos pitiguaras. Assustada pela presença daquele desconhecido nas terras de seu povo, Iracema alveja o homem branco com uma flecha. Nesse momento, o estranhamento e o fascínio são despertados pelo encontro inesperado.
Ferido e percebido como inofensivo, Martim é recolhido à aldeia pelo pajé Araquém, que lhe oferece proteção e mulheres. O herói, entretanto, recusa as duas ofertas: a primeira, porque quer se manter fiel à missão, e a segunda, por se descobrir apaixonado pela “virgem dos lábios de mel”. O amor de Martim é apresentado, assim, de modo idealizado, bem como a castidade de Iracema que, por ser guardiã do segredo da jurema, deve preservar sua pureza para se manter viva. No entanto, essa interdição apenas reforça a atração entre os dois personagens.
Ao lado da crise entre amor e dever, o ideário nacionalista é outro elemento-chave desta obra. O desejo de Martim de retornar à terra natal e a saudade de Iracema pela tribo abandonada reafirmam a ideia de nação como um dos elementos seminais da estética romântica. Nessa perspectiva, Moacir, filho de Iracema e Martim, assume o estatuto emblemático de “primeiro filho que o sangue da raça branca gerou nesta terra da liberdade” e faz nascer com ele, no plano mítico, um novo povo e uma nova nação. Outro destaque é o ritmo da escrita do texto, considerado quase um poema em prosa: o autor se vale de diversos recursos linguísticos e da sonoridade dos vocábulos indígenas, exótica à época, para conferir musicalidade à narrativa. A linguagem também se mantém fiel ao objetivo de criar uma “língua brasileira”, independente dos padrões da língua colonizadora. A concretização deste ideal pode ser facilmente conferida ao longo das páginas de Iracema.
Sobre a coleção – Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Confira aqui as obras já publicadas.
Título: Iracema: lenda do Ceará
Autor: José de Alencar
Número de páginas: 192
Formato: 13,5 x 20 cm
Preço: R$ 44
ISBN: 978-65-5711-065-2