Obras de Condillac e de Le Roy podem ser lidas como germinais na história da ciência do comportamento animal, das ciências da vida e, ainda, da antropologia e das ciências humanas
Ainda no Iluminismo, Étienne Bonnot de Condillac e Charles-Georges Le Roy geraram duas obras que discutem, em primeiro lugar, fundamentos metafísicos e metodológicos, limpando o terreno para uma observação fecunda do comportamento animal, e em seguida, mediante a inusitada convergência entre filosofia e caça, trazem observações inéditas a respeito do funcionamento da “inteligência dos animais”. Pois esses dois textos filosóficos em defesa dos animais ganham edição inédita no Brasil em A inteligência dos animais, que reúne o Tratado dos animais, de Condillac, e Sobre a inteligência dos animais, de Le Roy.
“A opinião corrente hoje tende a supor que a imagem dos animais na modernidade e na revolução científica se identifique à ideia de Descartes dos animais autômatos. Esta ideia é a de que, desnudados os animais de qualquer intencionalidade ou interioridade, eles devam ser entendidos como máquinas complexas que se movem por si mesmas exclusivamente por meio das leis da mecânica, isto é, do movimento, do choque e do impulso”, escrevem Dario Galvão e Lourenço Fernandes Neto e Silva, tradutores dos textos. “Embora essa concepção seja central na história do cartesianismo, não se segue, todavia, que seja a doutrina hegemônica em todos os contextos da modernidade. Influentes autores desde o século XVII já buscavam qualificar essa compreensão cartesiana hipermecanicista. Os dois textos que trazemos neste volume são testemunhos eloquentes da presença de, ao menos, outra corrente de compreensão dos animais durante o período iluminista, que se apoiava ademais em pesquisas da época nos campos da fisiologia e de outras ciências.”
O volume congrega os dois textos clássicos do estudo acerca dos animais. Em seu Tratado, Condillac parte das reflexões sobre os animais feitas por Descartes e por Buffon para expor as suas próprias ideias sobre a natureza dos animais e suas faculdades. Discorrendo sobre os animais, seus sentidos, a forma como comparam, julgam ou têm ideias, além de comparar as faculdades animais e as faculdades humanas, como as possibilidades de linguagem e a diferença entre instinto e razão, Condillac joga luz não só sobre os animais, mas também sobre a experiência humana. Já Le Roy, em sua primeira intenção está, não apenas descrever, mas investigar e refletir, conhecer e sistematizar, preocupando-se com um objeto específico, a inteligência dos animais, que dita a ordem de seu trabalho de observação e descrição.
“Na França, autores como Dominique Lestel, Vinciane Despret e Baptiste Morizot convidam-nos a reconhecer a legitimidade do uso científico da analogia entre interioridade humana e animal. Eles dão a entender que, sem referência alguma ao ser humano, não há conhecimento possível acerca do comportamento dos outros animais. Sim, o antropomorfismo é tomado como parte do método: não um antropomorfismo ingênuo, espontâneo, este sim a ser expurgado da prática científica, mas outro que, ao contrário, constituiria uma etapa heurística do método e se fundaria sobre o raciocínio analógico”, explicam os tradutores.
“Assim, o antropomorfismo balanceado por um zoomorfismo igualmente heurístico tornam-se aspectos necessários do conhecimento”, argumentam. “Os textos traduzidos neste volume mostram que esse tipo de reflexão é tudo menos estrangeira ao século XVIII. Por ora, todavia, apenas anunciamos uma afinidade que será mostrada com o devido vagar nas páginas a seguir. As obras de Condillac e Le Roy podem ser lidas como germinais na história da ciência do comportamento animal. Ambas serão úteis, portanto, para os interessados na história das ideias relativas à animalidade, às ciências da vida e, ainda, à antropologia e às ciências humanas.”
Sobre os autores
Étienne Bonnot, abade de Condillac (1714-1780), foi um dos mais radicais e significativos expoentes do empirismo do período das Luzes. Influenciou fortemente seus contemporâneos – com destaque para Diderot, d’Alembert e Rousseau – e permanece como referência para a filosofia de nosso tempo.
Charles-Georges Le Roy ou Leroy (1723-1789) foi um literato francês durante a Idade do Iluminismo e autor de um dos primeiros livros sobre o comportamento humano. Le Roy era tenente da caça real e amigo dos enciclopedistas Diderot, d'Alembert e d'Holbach, frequentando regularmente o salão de d'Holbach.
Título: A inteligência dos animais: Tratado dos animais e Sobre a inteligência dos animais
Autores: Étienne Bonnot de Condillac e Charles-Georges Le Roy
Tradução e apresentação: Dario Galvão e Lourenço Fernandes Neto e Silva
Número de páginas: 302
Preço: R$ 79
Formato: 13,7 x 21 cm
ISBN: 9786557110942
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