No “Ano Molière”, celebrado na França pelos quatrocentos anos do nascimento do dramaturgo, leitores têm oportunidade de conferir três obras de destaque do autor: O Tartufo, Dom Juan e O doente imaginário
O parisiense Jean-Baptiste Poquelin, conhecido como Molière, ainda criança já demonstrava interesse por artes em geral e foi fortemente influenciado pela Commedia Dell’Arte, manifestação do teatro italiano caracterizada por apresentações itinerantes de grande apelo popular, com personagens caricaturais e estereotipados. Em 1643, aos 21 anos, Molière criou a sua própria trupe, a L’Illustre Théâtre [O Teatro Ilustre]. Teve uma prolífica obra, que estabeleceu um inegociável padrão de qualidade do que se espera na fruição da comédia. A trilogia que compõe este novo título da Coleção Clássicos da Literatura da Unesp compila o melhor da carreira do autor: O Tartufo - Dom Juan - O doente imaginário.
Molière foi um profundo observador do comportamento humano, num contexto social – a França do século XVII – de ascensão da burguesia. Burilou a habilidade de materializar seu fino sarcasmo em obras que trafegam entre farsas de tom burlesco e dramas psicológicos mais sutis e complexos, recorrendo a temas-chave atemporais, como desvios de caráter, corrupção, hipocrisia religiosa, lascívia. São elementos que aparecem notadamente em O Tartufo, peça em cinco atos que acompanha as desventuras de Orgon, um devoto religioso que se deixa impressionar pelas supostas virtudes ascéticas do personagem-título. A presença daquele impostor no seio de uma família tradicional – Orgon hospeda Tartufo na sua própria casa – dá margem ao olhar crítico de Molière sobre a fé e a cegueira que ela é capaz de produzir.
Entretanto, os problemas de Molière com a Igreja não se restringiram aos seus enredos. Até o fim da vida do autor, seu Dom Juan, também uma peça em cinco atos, foi perseguido, censurado, mutilado. Personagem mítico evocado por autores de gerações e estilos diversos – de Lord Byron, Charles Baudelaire, Bernard Shaw a José Saramago – Dom Juan ganhou de Molière um olhar ainda mais ferino: não bastasse ser libertino e machista, aqui seu ateísmo, cinismo, insolência, má-educação e blasfêmia ressoam com a mesma potência. Mas o que poderia ser um mero arquétipo da vilania para só causar ojeriza no leitor ganha contornos de complexidade quando dom Juan, confrontado com o rival Esgaranelo, se mostra um homem de inteligência superior, muito bem articulado, de grande valentia.
Já O doente imaginário configura-se como uma corrosiva radiografia da burguesia francesa nascente. As tintas tragicômicas pintam a história de um hipocondríaco determinado a se livrar de supostos males que o acometem. O doente imaginário é Argan, um velho avarento que, para saciar sua obsessão por curar-se, visualiza uma oportunidade de ouro: fazer a filha, Angélica, casar-se com um médico – supondo, assim, acesso facilitado a medicamentos e consultas.
Essa rede de relações desvirtuadas sintetiza a essência do teatro molièriano, com todas as marcas de uma espirituosidade que torna seus personagens inesquecíveis e verossímeis.
Sobre a coleção – Clássicos da Literatura Unesp constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. A seleção de títulos é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo o livre passeio do leitor. Confira aqui as obras já publicadas.
Título: O Tartufo - Dom Juan - O doente imaginário
Autor: Molière
Tradução e notas: Jorge Coli
Número de páginas: 242
Formato: 13,5 x 20 cm
Preço: R$ 34
ISBN: 978-65-5711-058-4