Mais conhecido por sua prolífica produção filosófica, autor trafegou com desenvoltura no campo musical, revelando uma atuação também esmerada nesta área
Provavelmente o público leitor não esteja acostumado a procurar na figura do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau um teórico da música. No entanto, ele não só atuava neste campo como também trafegava por ele com desenvoltura e esmero. Uma das provas disso é este Dicionário de música, organizado por ele e lançado em português pela Editora Unesp, que reúne verbetes do mundo musical selecionados e redigidos pelo autor de Do contrato social e Emílio.
“A música é, de todas as belas-artes, a que tem o vocabulário mais extenso e para a qual um dicionário é, consequentemente, o que há de mais útil”, começa Rousseau, no prefácio datado de 20 de dezembro de 1764. “Assim, não se deve incluí-lo no rol das compilações ridículas que a moda, ou melhor, a mania dos dicionários multiplica a cada dia. Se este livro é bem-feito, ele é útil aos artistas. Se ele é ruim, não o é pela escolha do assunto nem pela forma da obra. Assim, seria um erro rejeitá-lo já pelo título. É preciso lê-lo para julgá-lo.”
E, lendo-o, é possível verificar que o livro cristaliza a posição de relevo que a música ocupa na vida – e na obra – de Rousseau, seja em escritos teóricos ou na composição de obras musicais, que inclusive lhe renderam certo prestígio na corte de Luís XV. “Antes mesmo que a atividade de escritor viesse a ‘iluminar’ seu caminho, o desejo de converter-se em músico logo manifestou seus signos na biografia do jovem Rousseau, imprimindo-lhe rumos tão espinhosos que um estudioso de sua obra chegaria mesmo a sugerir que ele só se tornara escritor ‘a despeito de não ter conseguido um lugar no mundo musical’”, escreve Fabio Stieltjes Yasoshima, que assina a tradução e as notas.
"Lendo estes verbetes do Dicionário de música tão cuidadosamente traduzidos por Fabio Stieltjes Yasoshima, o leitor talvez tenha dificuldade em reconhecer neles o filósofo mais polêmico de sua época, cultivador de paradoxos, denunciador da civilização”, anota, no posfácio, o pesquisador Pedro Paulo Pimenta. “No entanto, uma das muitas virtudes de Rousseau como escritor é a facilidade com que ele cultiva diferentes registros, adequando-se perfeitamente às exigências estilísticas de cada um deles.”
Não à toa a gênese dos verbetes constantes neste dicionário se dá por encomenda de Diderot e d’Alembert para a Enciclopédia, em 1749, projeto máximo do cultivo de interesses múltiplos. O empreendimento levou o autor a burilar e retificar por quase dez anos aqueles textos iniciais, vários deles redigidos às pressas naquele momento. “Magoado por causa da imperfeição de meus artigos, à medida que os volumes da Enciclopédia apareciam, resolvi reformular o todo em meu rascunho e fazer, a meu bel-prazer, uma obra à parte, tratada com mais cuidado”, pontua Rousseau.
Se os textos aparentemente nascem com o objetivo de contribuir para o conhecimento da terminologia predominante na prática musical francesa da época, ainda assim, hoje, permanecem atuais. Isso se demonstra na medida em que seu conteúdo se apresenta, tanto para o filósofo quanto para o musicólogo, ou, ainda, para o músico afeito à reflexão, como uma fonte de inestimável originalidade e riqueza.
Sobre o autor – Escritor, filósofo e músico genebrino, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é uma das grandes figuras do chamado Século das Luzes. Suas obras – entre elas, o Discurso sobre as ciências e as artes, o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, a Nova Heloísa, Do Contrato Social e Emilio – obtiveram logo enorme sucesso e desde então vêm motivando leituras apaixonadas de entusiastas e críticos nos séculos que o sucederam.
Assista ao booktrailer:
https://www.youtube.com/watch?v=bf7tLRYK8gU
Título: Dicionário de música
Autor: Jean-Jacques Rousseau
Seleção, tradução, apresentação e notas: Fabio Stieltjes Yasoshima
Posfácio: Pedro Paulo Pimenta
Número de páginas: 196
Formato: 13,7 x 21 cm
Preço: R$ 58
ISBN: 978-65-5711-023-2